CAPA: AS INSPIRAÇÕES DE CARMO DALLA VECCHIA

Carmo Dalla Vecchia é um daqueles atores inspirados e inspiradores no universo da dramaturgia tamanha a sua flexibilidade em criar personagens. Criar vários Carmos em suas diversas formas. Para quem acompanhou seu recente trabalho como o Alfredo de Cara e Coragem, está prestes a encontrar o Érico Requião na nova novela das 18h, Amor Perfeito. De quebra, fomos agraciados por este ensaio cheio de simbolismos e beleza, um pouco do que é a trajetória de Carmo dentro e fora da TV.

Carmo, nosso último papo foi em 2019 quando você fazia o vilão Paul Abbas, em Órfãos da Terra, de Duca Rachid e Thelma Guedes. Agora, você está voltando ao ar em mais uma trama escrita por Duca Rachid. Coincidência ou foi justamente por isso que você topou o trabalho? Eu fiz todas as novelas dela. Foram Cama de Gato, Cordel Encantado, Jóia Rara, Orfãos da Terra e agora, Amor Perfeito. Tenho um carinho muito especial, tanto pela Duca quanto pela Thelma Guedes que me deram personagens lindos. Topei, por que amo meu trabalho. Sou inquieto, faço muitas coisas ao mesmo tempo e cada um desses personagens que elas me deram foram grandes oportunidades de aprender.

Falando nisso, como anda a expectativa por esse novo trabalho? Como foi a preparação? É uma novela de época com cenários e figurinos lindos e mais uma vez uma história que resgata o humanismo de todos nós. As histórias da Duca, sempre tem isso em comum. Falam de forma linda sobre amizade, amor, comprometimento e do quanto devemos nos importas com os outros.

E o que podemos esperar de seu personagem, Érico Requião? Conta um pouco dele para nós. Advogado, mineiro, homem justo, vai ser chantageado, vai amar, sofrer, amante das artes… Não darei muitos spoilers.

Você praticamente emendou um personagem após outro, saindo do Alfredo, de Cara e Coragem, para Érico em Amor Perfeito. Uma história contemporânea para uma história de época. O que tem de mais legal nisso? A televisão nos dá agilidade. Mas cada personagem é um homem novo que surge a partir e em mim. O legal é poder mostrar que somos muitos.

Podemos dizer que o que lhe move na profissão são justamente esses desafios e esses contrastes? O que me move é a chance de comunicar novas ideias, de questionar preconceitos, de poder pensar através de outros olhos. E,  assim, ver novas formas de ser.

Como você desapega de um personagem e constrói outro? Para quem está de fora são pessoas totalmente distintas em um mesmo corpo. O personagem existe a partir de um texto que não é criado por mim. A partir do momento que ele deixa de ser escrito, ele deixa de existir. Enquanto faço ele, sinto a energia passando através do meu corpo. Meu marido sempre me zoa, dizendo que cada vez que interpreto um novo personagem, ele se obriga a dormir e se relacionar com outra pessoa. Sempre me pergunta no início de uma novela “Quem é esse que tá aí?” No começo, achava graça e pensava ser piada dele, mas com o tempo, fui entendendo que essa energia pelo período da obra fica conectada comigo de maneira mais forte do que eu pensava.

Ser vários ajuda a entender quem se é? Ter a chance de ser muitos faz com que a gente se questione e aprenda com erros dos outros. Sempre pensamos com nossos personagens – “E eu, como agiria nesse caso?”. Faço psicanálise há uns quinze anos e isso ajuda muito também, pratico o budismo há 25 anos e isso é formador de quem eu sou. Nossa profissão é rara, nesse caso. Deve ser por isso, que ela assusta tanto.

Qual sua maior vaidade como ator? E como homem? É conseguir fazer mágica com meu trabalho. Por isso já sofri demais com personagens que tive dificuldade de fazer. Impossível separar o homem do ator. 

Você passou longos anos com peças no teatro. Sua última foi em 2019. Tem sentido falta dos palcos? Algum projeto futuro? Acabei de fazer o espetáculo 12 Anos ou A Memória da Queda, baseado no filme Doze Anos de Escravidão que ganhou o Oscar, em 2014. Ele estreia em São Paulo esse mês. Infelizmente, não estarei no elenco de SP por conta da novela. Forever Young, que fiz durante vários anos, também volta aos palcos de SP em um mês e tive que abandonar a produção igualmente. Atualmente, se tornou impossível conciliar novela e teatro em outra cidade.

Por muitos anos você foi visto como galã (culpa de Zé Bob!! (risos)… Você se via galã? Ter o rótulo do galã traz pontos positivos e negativos? Quais seriam para você? Gosto do rótulo e odeio – relação conflituosa. Amo poque, geralmente, são personagem com importância numa trama, mas ao mesmo tempo, são personagens dessorados. Geralmente, você fica sentado numa mesa de café da manhã com todo mundo te enganando e você só pode descobrir isso no final da obra. São personagens baseados no carisma do ator e não na história que está sendo contada. Grandes armadilhas pros atores. Você não faz nada na trama, só consegue ser o herói nó último capítulo e ainda vai ser criticado por, geralmente, ser boa pinta e não fazer nada. As pessoas confundem o herói que não é herói, porque é não fazer nada com a personalidade do ator que o representa. Mas mordo a língua com o protagonista que o Humberto Carrão fez em Todas as Flores. Ele e o autor arrasaram.

Décadas atrás, um grande ator ou aqueles escolhidos como galãs, não podiam expor sua sexualidade. Coisa que hoje em dia se tornou algo comum e que mostrou que não altera em nada a imagem do ator/galã. Como você vê isso? Não sei se não altera. Acho que poderei falar isso daqui há mais uns anos. Sei que, para mim, continuei fazendo o mesmo tipo de personagens e fui muito feliz com minha decisão. Mas sei que dependo de personagens bons gays serem escritos. É normal que eu caia para interpretá-los e é isso que eu quero. Mas, atualmente, continuam sendo personagens geralmente sem relevância alguma na trama ou com a obrigação de serem engraçados e divertidos para poderem ser aceitos, e isso ainda não mudou muito.

A TV, hoje em dia, é realmente mais diversificada e democrática? Sim. Muitas pautas relativas às minorias foram levantadas e os preconceitos foram sendo questionados. Já tava feio demais e as produções viram que a própria audiência precisava atingir esses grupos que, de minorias, não tinham nada. Os negros, nesse caso, estão na frente e que bom que isso aconteceu. Demorou muito. O mundo avançou e a dramaturgia se obrigou a ir adiante. No caso dos gays como eu, anseio para que um dia ainda exista um Brokeback Mountain na TV e que isso não demore tanto. Que, para fazer um beijo gay nas telas, não tenham que pensar na luz adequada para não ferir tanto os preconceituosos. Que um casal da minha comunidade LGBTQIAPN+ não precise estar numa trama apenas para falar de preconceito e seja como qualquer outro casal da trama, com seus dramas diários sem precisar se tomar tanto cuidado para retratar a sua orientação sexual.

O que é talento e sucesso para você? Por que nem sempre um está junto ao outro? Talento, é a capacidade de executar um trabalho e conseguir tocar o coração de muitos com sua verdade. Sucesso é ter amigos e pessoas que te admiram por você fazer elas se sentirem bem ao seu lado. Porque, nem sempre, um está junto ao outro? Porque, no mundo, também existe a sorte. Na minha prática religiosa, quem cria a nossa sorte somos nós mesmos e eu acredito muito nisso. Acho chato demais pessoas se vitimizarem diante de desafios e dificuldades.

Quem é e o que deseja Carmo hoje em dia? Ele é um cara que cada vez mais acha que sabe menos e que não quer ter muita razão. Quer ser feliz. E que deseja viver muito e conhecer muitas pessoas diferentes e dar muitos abraços. Sou apaixonado por abraços.

Fotos Sergio Santoian

Make Louise Helene

Hair Luís Rozini

Assessoria Dany Tavares Comunicação