CAPA: EDSON CELULARI DE CORPO E ALMA

Por Ivan Reis

Não é difícil perceber que as novelas são um dos produtos mais consumidos pelos brasileiros. Mais ainda, é reconhecer que atores e tantos profissionais que dão vida a inúmeras histórias são dignos de reverência quando o assunto é interpretação. Fazendo parte desse grupo, o ator Edson Celulari já viveu tantas experiências quanto personagens em sua carreira de mais de quatro décadas na teledramaturgia ou em seus trabalhos como diretor e produtor no cinema. Em entrevista à MENSCH, o ator – que vive o personagem Nero de Braga e Silva na novela Fuzuê no momento – fala sobre a fase atual da carreira, os conselhos que recebeu de grandes nomes do teatro, sua relação com as redes sociais, além da paternidade, também vivida na maturidade, e da família que construiu com o tempo. “Eu acredito que ser pai não está ligado a uma questão de melhor ou pior período; é uma disponibilidade”, afirma o ator. Confira. 

Com mais de 40 anos de profissão na dramaturgia, quais as transformações mais marcantes que você presenciou no mercado audiovisual? O Brasil é um país privilegiado, pois tem uma produção audiovisual bastante significativa. A televisão brasileira se destaca no mercado internacional, com a sua produção de teledramaturgia – as famosas novelas que vendem muito até hoje. Os streamings estão começando a produzir esse formato, e, nesses 40 anos, o que foi bom de acompanhar foi a democratização com a chegada das redes sociais, como a parte técnica que foi barateando. Hoje, está mais fácil fazer cinema, produzir conteúdo de audiovisual e isso é muito bom. Vi também uma descentralização no cinema, por exemplo. Antes, era muito localizado entre Rio e São Paulo. Outros polos foram crescendo, como o do Rio Grande do Sul, o de Pernambuco e outros que você vê nascer. Ainda há alguns que resistem e, outros não. No interior de São Paulo, também há um núcleo de produção audiovisual. Então, a televisão aberta, que hoje é uma parte da televisão, tem os streamings como concorrentes que acabam assimilando esse modo de contar histórias. Acompanhar isso tudo é um privilégio para mim. Eu que já atravessei mais de quatro décadas fazendo isso, quero poder acompanhar ainda por um bom tempo essa qualidade de produtos, fazer parte disso e ver as novas mudanças, se acontecerem, com toda a certeza.

Após cinco anos afastado das novelas, como foi retornar ao ritmo de gravação? Na verdade, nesse período, eu fiz quatro filmes. Fiz a série no Sul chamada Chuteira Preta, dirigida por Paulo Nascimento que também assumiu a direção do longa Ainda somos os mesmos que eu também fiz. Também dirigi, produzi e atuei no longa concebido por mim chamado Área de risco. Depois, fiz o filme Nosso Lar 2para a Star Plus, da Disney, e fiz também o filme Meu cunhado é um vampiro para a Netflix com o ator Leandro Hassum, uma comédia muito gostosa de fazer. Então, a sensação que eu tenho – ou que eu tive – quando eu cheguei de volta a um estúdio de gravação de telenovela ,foi que eu me identifico muito com aqueles refletores. O clima de estúdio e aquelas pessoas – ou a maioria delas – que eu conheço já há muitos anos. E senti a alegria que isso me dá porque, se você está produtivo e podendo ainda participar desses conteúdos, é um privilégio. Eu fico muito feliz porque é o que eu digo: enquanto eu conseguir decorar os textos e estiver não tropeçando nos móveis, quero poder trabalhar. É muito importante estar com discernimento e meu ofício permite isso. Diferentemente  de um atleta, por exemplo. Hoje, um jogador de futebol com 35 anos é alguém que já tem que se aposentar. O meu ofício não me exige isso. Então, toda vez que eu volto para o estúdio, a sensação que eu tenho é essa. Eu olho aquilo tudo e digo: é onde eu mais gostaria de estar.

Em Fuzuê, você interpreta o empresário Nero de Braga e Silva, dono da loja de departamentos que intitula o folhetim. O que você e Nero têm em comum? O Nero é um personagem maravilhoso, e é um presente poder ter sido convidado para realizar esse folhetim do Gustavo Reis, porque é um chefe de família. Ele é um pai que defende a família o tempo todo. É um trabalhador honesto que veio de baixo, pois era feirante e foi conquistando espaço e montou essa loja de departamento que não vende qualquer coisa. Nela, há aquilo que ele acha bonito. Ele tem opinião sobre Arte e coisas brasileiras. Ele é aquele tipo de comerciante e empresário que defende o comércio, o artista, o criador, o produtor local e isso é muito bom de ver. Além de ser extremamente otimista, ele se identifica com algumas coisas e vai fundo naquilo que acredita. Então, Nero aposta no talento da Luna (personagem vivido por Giovana Cordeiro), por exemplo. Ele já ofereceu para ela algumas pedras para que possa trabalhar e transformar em joias ou semijoias, pois acredita na disponibilidade dela com relação ao trabalho, ao outro e à maneira como ela vê a vida. É assim que ele defende a Fuzuê. Como algo que ele fala “Ninguém vai tirar a Fuzuê de mim porque é a minha vida. Eu dediquei a minha vida inteira a isso”. Nesse sentido, eu me identifico, sim, com o personagem em muitas coisas, como nesse otimismo, nessa força de trabalho e determinação. Nesse ofício que a gente escolhe de ser artista no nosso país, é preciso ter muita determinação. Não pode ter preguiça, você precisa se dedicar e não desistir facilmente porque é uma vida difícil e um mercado extremamente limitado. Não temos um grande mercado no Brasil. Então, é preciso estar muito disponível para enfrentar as dificuldades, superá-las e chegar a fazer o que gosta.

Na trama global, você também é pai de Miguel (Nicolas Prattes), Alícia (Fernanda Rodrigues) e Francisco (Michel Joelsas). Como é contracenar com atores de gerações diferentes? Eu comecei a minha carreira profissional na TV Tupi, em 1978, e, obviamente, trabalhei com filhos mais velhos naquela época. O ofício de contadores de história, e a dramaturgia conta histórias que precisam sempre de famílias, de personagens com pensamentos diferentes e é muito comum ter pai, filho, avô, neto, e esse leque familiar de diferentes idades. Naquela época, eu não tive nenhum problema em trabalhar com atores mais velhos ou não, da mesma idade e até mais novos que eu. Os anos se passaram e quarenta e tantos anos, eu, hoje, obviamente, trabalho com gente muito mais jovem. Eu sou um ator de 65 anos e continuo não tendo problema nenhum em contracenar. Eu acho que trabalhar com diferentes idades e opiniões enriquece o trabalho. O importante é buscar diálogo. Nesse trabalho, nós temos a coxia, aquele espaço do teatro onde a gente espera para entrar em cena. Na televisão, chamamos de coxia aquele tempo que você não está em cena, no camarim, trocando roupa ou tomando um café. A convivência com o elenco e com as diferentes gerações é que vai nos aproximando. Então, nós temos, em Fuzuê, pessoas maravilhosas, jovens atores super empenhados e estudiosos. Eu tenho três filhos maravilhosos na novela, três atores incríveis e com histórias diferentes, mas todos disponíveis. Eu posso dizer que não só a troca é maravilhosa, como também a gente se diverte muito. Nós nos encontramos muito também fora de cena para poder trocar ideias e nos divertir. Isso também ajuda a levar o dia a dia de um trabalho tão árduo como o nosso. Nós trabalhamos muito, e acho que, a partir desse convívio amistoso, amigável e criativo, tiramos energia. 

Ainda sobre o personagem, Nero tem um figurino peculiar pelas roupas e acessórios excêntricos na novela. Em se tratando de estilo, como você se definiria? O Nero tem esse jeito peculiar, meio retrô. Eu sempre acho que ele se veste daquele jeito não por vaidade ou porque acha que é o mais bonito, mas porque ele acredita que aquilo é o que o cliente dele merece. O freguês entra para ver aquele seu Nero bem vestido, além do temperamento, da alegria junto à maneira como ele vê o comércio que traz toda essa experiência da feira, de vender através da palavra. Então, ele sempre tem eventos com bandas, escolas de samba. Eu acho, particularmente, maravilhoso. O estilo dele é o reflexo daquilo que ele é, assim como eu me vejo. O Edson se veste de uma forma, hoje, diferente de uns tempos atrás, pois são fases da vida e não posso me vestir como um garoto de vinte anos. Dentro de um estilo, eu me vejo mais clássico, mas também assimilando um estilo esportivo e mais à vontade também. Isso eu acho natural. Com a idade, você vai adquirindo mais confiança. Não que eu acredite que a gente não tenha que se empenhar para se vestir bem. O fato de se vestir é muito particular. O que para mim seria bom, não seria para o outro. É importante adaptar para você. Eu vejo um jovem bem vestido e digo “Poxa! essa roupa eu poderia usar”, mas adaptado para a minha idade. O que eu sinto no Brasil é que o homem brasileiro, muito mais do que a mulher, é muito conservador na moda. Ele tem medo de se vestir diferente para não ser anotado e comentado. Eu quero usar tudo aquilo que serve para mim e com o que eu me identifico. Essa liberdade é o que todo homem deveria ter. A moda é você se sentir bem e estar confortável. Dificilmente, eu uso gravata, mas tenho belas gravatas e ternos, mas só uso em momentos adequados. Dá um orgulho quando você adapta ao seu estilo e se sente dono daquela imagem.

Você teve a experiência da paternidade em diferentes fases da vida. Como é ser pai na maturidade? Eu acredito que ser pai não está ligado a uma questão de melhor ou pior período; é uma disponibilidade. Qual é a idade certa de casar? Não existe. E a idade de ter filho? Não existe. Você precisa encontrar a pessoa certa, estar disponível para aquilo e foi assim que aconteceu com Enzo e Sofia, meus dois primeiros filhos que têm seis anos de diferença de um para o outro. Enzo, hoje, está com 26 anos, e Sofia com 20 anos, e agora veio a Chiara. Eu gosto de ser pai e acredito que tem que ter essa disponibilidade de estar ali diante de um ser que precisa de você. Obviamente, vai precisar muito mais da mãe no início por conta da amamentação e do cuidado. Eu gosto da responsabilidade, de você poder estar ali. Em primeiro lugar, antes de falar qualquer coisa, é tentar entender quem é aquele que está ali na sua frente, aquele filho, o que ele talvez precise ouvir e que tipo de que apoio necessita. Eu acho que, hoje, estar mais maduro, me facilita algumas coisas por já ter essa experiência de outros dois filhos. Isso me ajuda? Sim, mais ou menos porque a Chiara não é o Enzo, e não é a Sofia. Ela vai precisar de coisas específicas e, se a maturidade me dá mais experiência com relação à vida, as costas também já sentem mais as dores de correr atrás da Chiara. Criar tem essa função também, porque a criança vai correr, cair, bater a cabeça, escorregar. Sempre tem um perigo. É impressionante. Parece que a criança busca a quina da mesa ou o piso molhado para escorregar. Eu sou um pai extremamente feliz com essas minhas três experiências. Acredito que é uma função que todo homem deveria passar porque ser pai é maravilhoso e essa relação do pai com seus filhos é algo indescritível – e é prazeroso acompanhar o crescimento. O amor só cresce com o tempo, e chega uma hora em que você acredita que não há mais bolsos para guardar tanto amor.

Recentemente, você fez um post comemorativo pelos 2 milhões de seguidores no Instagram. Como é a sua relação com as redes sociais? Eu comecei a acompanhar o Instagram e o Twitter (hoje, chamado X), mesmo não tendo o Twitter. Existe uma realidade que vem com essa oferta de espaços onde você pode colocar a sua opinião, instala as suas criações, textos, imagens com ou sem humor ou conteúdos reflexivos. Seja lá de que forma você usa, com isso, vem a realidade do momento em que a gente vive. É como se cada um ganhasse a chance de ter o seu próprio canal de televisão ou de rádio para expor a sua opinião. Isso vai trazer o interesse de uma certa quantidade de pessoas que vão te seguir e você vai direcionando esse conteúdo para esse público. Hoje, eu gosto muito do que faço e acho que essa comunicação é importante para mim. Eu me lembro que cresci bastante durante a pandemia quando quis oferecer aquilo que podia como artista, levando um pouco de alegria, reflexão, poesia e isso foi desencadeando em outros perfis de conteúdo. Hoje, eu me sinto mais à vontade e um pouco mais seguro. É extremamente cansativo em um espaço que eu respeito e tento oferecer o melhor. Seja através do entretenimento, dividindo um pouco da minha alegria como pai, falando de família, de Arte e de coisas que as pessoas possam ter um pouco de alívio, de descontração e que as faça esquecer os problemas. Eu acho que estou conseguindo. De vez em quando, a gente produz algo que não surte resultado. Mas, uma hora, acerta. Eu não encaro isso como uma responsabilidade. É claro que sinto uma responsabilidade por aquilo que eu faço. Você tem que saber o que está oferecendo e faço de forma profissional, mas não é cem por cento do meu tempo. Eu tento me disciplinar, pois, se deixar, aquilo ocupa mais do que vinte e quatro horas do dia. Eu tenho o meu trabalho como ator, diretor, artista, os meus compromissos e a minha agenda diária. Então, tento encaixar nisso e, quando estou fazendo esse conteúdo para as redes sociais, ofereço cem por cento de mim e acredito que está dando certo. Isso me deixa feliz.

Entre novelas, seriados e participações especiais, você já atuou ao lado de vários artistas. Existe alguém com quem tenha vontade de trabalhar? Atuar é um ofício que permite você ter uma troca constante, não apenas de elencos, mas também de funções diferentes como personagens. Uma hora você é filho, em outra, é pai, avô, neto de alguém e tudo isso é muito rico. Então, obviamente que eu vou encontrar muitos jovens atores que eu ainda nem conheço, mas conhecerei daqui a pouco e será maravilhoso. Um ator que admiro muito e com quem eu nunca tive a oportunidade de trabalhar é o Lázaro Ramos. Eu o acho uma pessoa incrível, um homem dono e lúcido do seu espaço, como um ator preto, e assumindo um protagonismo no nosso mercado de grande ator, e é maravilhoso que ele assuma  da forma como assume. O Seu Jorge, que é um cantor, mas que também é ator, seria uma pessoa com quem eu adoraria trabalhar. Enfim, só para citar dois atores.

Com os anos de atuação, qual conselho você gostaria de ter recebido? Na verdade, eu já recebi esse conselho. (Dona) Fernanda Montenegro, há muitos anos, chegou para mim e disse “Edson, se você quer ser ator, dono de um repertório, de diferentes estilos, de grandes autores, você tem que se produzir. Aprender a produzir os seus projetos”. Isso porque no Brasil não existe, principalmente no teatro, uma intermediação de alguém que chegue para você e te pergunta o que quer montar. Essas oportunidades acontecem raramente. Então, você precisa se autoproduzir. É muito engraçado que o (ator) Paulo Autran falou a mesma coisa para mim quase na mesma época. Foi o mesmo conselho por dois grandes atores e, hoje, eu dou esse conselho para os atores mais novos para se autoproduzirem, fazerem os seus próprios projetos, acreditarem em suas ideias e fazerem aquilo frutificar em um espetáculo, filme ou em algum bom projeto. É assim que se faz uma carreira com muitas oportunidades com a ideia de um artista que vê o mundo, faz escolhas de obras e personagens específicos para poder se comunicar com o público e dar o seu recado como artista. 

Como você definiria esse momento da carreira? Eu vejo que o nosso ofício é como andar de bicicleta. A gente só se equilibra em movimento. A atuação permite você trabalhar com bastante idade. Se você tiver discernimento e memória, tem essa chance de poder trabalhar com 80, 90 anos, como Fernanda Montenegro, Lima Duarte e tantos outros atores que já passaram dos 90 anos e continuam atuando muitíssimo bem. Eu acho que eu vivo aquele momento em que eu não cheguei aos 80 – e muito menos aos 90 anos -, mas pretendo chegar e trabalhar até os 100, 120. Eu penso em férias, mas não em aposentadoria, em parar de trabalhar. Ao contrário, estou achando sarna para me coçar. Eu já dirigi dois curtas-metragens, um longa-metragem, e já estou preparando um próximo filme. Então, tudo isso me faz ver que estou em movimento. Isso me deixa em equilíbrio e com a certeza de que é preciso se atualizar e estar atento aos movimentos do mercado – além de ter essa disponibilidade de trabalhar coletivamente. Aquilo que eu faço não é sozinho. Eu não consigo produzir uma peça, um filme, uma novela sem alguém. Então, obrigatoriamente, eu preciso do outro e esse outro me ensina muito sempre, independentemente da idade que tenha. Acredito nessa disponibilidade para o outro e na coletividade. Eu tento – aos 65 anos de idade e com 40 e tantos anos de carreira, seguir pensando assim. Acho que chegarei – falar 120 anos é brincadeira -, mas vou poder trabalhar com bastante idade, feliz e isso é o que interessa: a gente ser feliz naquilo que a gente faz.

Fotos Marcio Farias

Styling Samantha Szczerb

Beleza Daianne Martins

Retoucher Tales Henn