CAPA: UM ENCONTRO COM MANOEL SOARES

A atenção e humildade com que Manoel Soares conversa com o público talvez seja o “segredo” do seu sucesso e ascensão na TV. De repórter de rua da RBS TV, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul, à apresentador do programa Encontro ao lado de Patrícia Poeta, a trajetória de Manoel é uma história à parte. Que começa com o pão de queijo e vai até suas conquistas atuais. Um papo gostoso e instigante de um cara admirável. Que venha muito mais Manoel Soares nas nossas manhãs (e aqui na MENSCH).

Rapaz que fascínio é esse por pão de queijo que quase te tirou da TV? (risos) Minha mãe trabalhou muito tempo na cozinha e eu a via fazendo comida de manhã – as pessoas da rotisseria onde ela trabalhava comiam pão de queijo. Então,  acho que isso ficou no meu imaginário como movimento de desejo. Geralmente, os nossos sonhos estão diretamente ligados às nossas lembranças ou aos nossos traumas, é a partir daí que a gente vai alavancando.

E como foi isso de que lá no início da carreira você não queria trabalhar na TV? Algo que todo mundo deseja e você nem aí. Não é que eu não quisesse.  Na verdade, isso nunca esteve no meu raio de visão porque na maioria das vezes, ou você sonha com algo que é extremamente impossível ou algo que é teoricamente impossível. Você não se dá nem ao luxo de sonhar com tal coisa. E eu, realmente, não achava que isso fosse uma possibilidade concreta. Entendia que eu só chegaria até um quarto do caminho. Então, eu nem vislumbrava alcançar muito nesse contexto, achava que, no máximo, eu conseguiria ser um faxineiro de um lugar ou um editor. E se eu chegasse a algum lugar, era por uma questão de relação quase que de um impostor. Confesso a vocês que, até hoje, ainda sofro um pouco com a síndrome do impostor – às vezes, acho que eu não sou qualificado para algumas coisas, mas acho que é natural, essa síndrome de impostor também faz com que a gente se esmere mais pra fazer as coisas, né?!

Você na verdade foi um “filho” do Encontro com Fátima Bernardes que terminou por  apresentar o programa hoje em dia. Pura ironia do destino. Como você enxerga isso? Não acho que seja nenhuma ironia do destino, acho que alguns espaços na Globo, são espaços que incubam e lapidam talentos. O Encontro foi um pouco disso, essa programação da manhã da TV Globo tem um pouco esse sentido de aproximar pessoas em espaços em que elas possam evoluir aos poucos, revelar os seus talentos, desenvolver habilidades, abandonar algumas práticas que não são tão positivas. O Encontro me entrega isso e, a partir daí, a gente foi pensando em outras possibilidades e, hoje, eu fico muito feliz de poder pertencer ao primeiro time dessas “Super Manhãs” da Globo.

Que novos desafios o Encontro tem te trazido? E o que espera que venha por aí? Acredito que o grande desafio que essa nova fase do Encontro traz é poder trazer leveza e notícia, porque nem sempre a notícia é algo leve, né? Então, trazer irreverência e relevância no mesmo potinho sem que essas coisas se misturem e se contaminem, é um desafio superinteressante. Espero atender essa demanda.

Algo que te cause uma certa insegurança? Eu digo a vocês que insegurança graças a Deus eu não tenho tido, mas tenho pontos de atenção como encontrar o sorriso certo e a palavra certa, porque estamos fazendo uma TV ao vivo com temas que são sensíveis e quando você relaxa demais, você corre o risco de falar alguma bobagem, de usar algum termo que ofenda alguém. E, por mais que não seja a sua intenção, isso pode acontecer. Então, isso me coloca em um estado de atenção. Pude observar, por exemplo, a maneira como você se refere a uma pessoa idosa na plateia, dependendo da brincadeira que você fizer, você pode gerar uma relação quase que de desrespeito àquela pessoa por mais que sua intenção seja de afeto e se você estabelece uma distância, você cria uma relação de higienização que não é legal naquele momento, até porque as pessoas estão ali para acessar a gente. Então, tudo isso requer atenção e é muito legal. 

Como foi a preparação e o ritmo de gravação? Cara, a preparação foi muito bacana. Quando a gente fala de ritmo de gravação, a gente está com uma equipe nova de São Paulo, uma equipe muito, muito, muito afiada. As câmeras têm uma qualidade absurda. Assim, a gente teve que dar uma repaginada no figurino e na maquiagem, sabe? É um novo momento e isso foi muito forte. 

Uma grande característica sua é a simpatia. Você parece ser um cara querido por todos. De onde vem isso? O que te inspira a ser assim? Eu digo a você que a questão nem é a simpatia, acho que quando você se coloca à disposição para entrar na casa de alguém, você não pode chegar lá levando mau humor, levando sentimentos ruins e coisas que não vão melhorar o dia dessa pessoa. Então, o meu sorriso por mais que esteja doendo alguma coisa, por mais que eu esteja triste com uma questão pessoal, esteja com fome, dor de cabeça ou com sono. Eu não tenho o direito de entrar na casa das pessoas sem levar a melhor energia possível e o meu melhor sorriso, isso é uma obrigação profissional e isso eu tenho muito em mente. Assim, as pessoas merecem isso e eu não posso dar menos do que elas merecem. E aí não é nenhuma questão de simpatia, óbvio que é uma coisa que me gera muita alegria, mas é uma questão de profissionalismo. O público em casa me recebe com muito carinho e de livre e espontânea vontade, eu não tenho direito de dar menos a eles por causa disso. 

“De morador de rua a conhecer Mandela”, você é um cara que chegou lá. Você se vê como exemplo? Se sim, em que momento? Eu não me vejo como exemplo, me vejo como resultado de uma luta, resultado de uma batalha de centenas de anos e de milhares de  pessoas. Não acho que eu possa definir a mim como vencedor de alguma coisa. Queria eu que Abdias Nascimento estivesse vivo para assistir a estreia do Encontro, que  Oliveira Silveira tivesse vivo para assistir à estreia do Encontro e que o grande Milton Gonçalves pudesse estar aqui pra assistir a estreia do Encontro, mas fico muito feliz que nós temos nomes como Zezé Motta e Tony Tornado assistindo, pessoas que foram referência de pensamentos assistindo, como a Djamila Ribeiro. Por mais que não tenha Lélia González agora me dando conselho, tem a Djamila dizendo para que lado que a coisa tem que ir. Então, eu não acho que  eu seja exemplo, acho que sou a prova de que a luta dessas pessoas não foi e não será em vão e isso é a coisa mais importante. 

Você costuma dizer que é “uma consequência de uma luta”. Que responsabilidade isso traz? O que me resta agora é só atender essa missão que foi dada da melhor maneira possível e com todo respeito necessário, entregando a melhor versão de mim para as pessoas porque quem está na luta não aceita menos que isso. As pessoas que me colocaram aqui, e quando eu falo as pessoas que me colocaram aqui, são essas lideranças negras como Celso Athayde e outras pessoas que possibilitaram pra que eu me instrumentalizasse para ocupar esse lugar, não aceitam que eu falhe. Eu não sou à prova de falhas, mas não posso ter nenhum contrato de lealdade com a falha, meu contrato de lealdade é comigo sempre. 

Você acha que o negro está ganhando mais espaço de fato na mídia? De onde vem essa mudança? Eu acho que o negro na imprensa como um todo, na sociedade como um todo, não está ganhando nada. Para ele ganhar, a gente colocaria essa bondade na mão do poder, do branco. Acredito que as pessoas negras estão conquistando coisas, estamos falando de conquista e depois de muita luta que alguns resultados da conquista estão chegando, porque quando a gente joga na agenda do ganhar, naturalmente parece que isso é o mérito do outro que está dando e eu não acho que é isso. 

E a minha luta é exatamente a gente entender isso, entender que liberdade dada não é liberdade, é permissão. O que nós estamos fazendo é conquistando espaço e conquistando competência, conquistando com atenção,  comprometimento, seriedade, com o desenvolvimento pessoal, mental, espiritual e humano e é assim que a gente conquista. Obviamente, se for necessário a gente faz barulho, a gente reclama. Mas mais do que reclamar e fazer barulho, nós temos que mostrar em campo, o que muda o jogo é o gol, o que muda o jogo não é o cartão. Eu não vou ficar dando cartão vermelho pra B ou pra C, eu quero é fazer gol porque é isso que faz a diferença. 

O racismo e o machismo estrutural é algo muito forte em nosso país. Como combater isso? Como você luta contra isso com você e na sua vida? Tanto machismo estrutural quanto racismo estrutural, moram dentro de nós. Obviamente, que eu, como negro, não posso praticar racismo, mas eu posso reproduzir perspectivas racistas, e eu como homem, da hora que eu acordo até a hora que eu vou dormir, estou contaminado pelo machismo. E a maneira como eu luto contra isso é antes de tudo me higienizando, higienizando as minhas atitudes, meus pensamentos e eu não falo só do machismo, falo também capacitismo, eu falo do classicismo. Nós temos uma série de comportamentos, até a própria xenofobia, que nós também no Brasil somos pessoas xenofóbicas por mais que a gente vista essa roupa de anfitriões. Então, a auto-higienização é o caminho mais sólido para que a gente conquiste uma evolução real, não uma revolução estética. 

Como foi no início e é hoje em dia ser um baiano morando em Porto Alegre? O que esse baiano tem de gaúcho? O Rio Grande do Sul me ensinou algo muito importante que é a relação familiar. Apesar do Rio Grande do Sul ser um estado em que muitos momentos reproduzem a dinâmica racial extremamente dolorosa. O Rio Grande do Sul tem uma dinâmica familiar exemplar. É um estado que respeita a família, ensina o valor da pessoa mais velha dentro da família, o valor do ritual familiar de todo mundo levantar e tomar um chimarrão, sabe? Essas coisas fazem parte hoje da minha vida, não só com essa estética do chimarrão, mas a coisa de você poder reunir família. E o Rio Grande do Sul me deu meus filhos, dos meus seis filhos só um deles é paulista. Então, eu tenho um carinho, um apreço, um cuidado muito grande por aquele estado. E óbvio, eu tenho críticas porque eu também sofri naquele território por conta de algumas situações, mas acho que o mundo é assim, né? Pessoas que moraram em uma das maiores cidades do mundo também podem ter as suas divergências. E eu consegui contaminar Rio Grande do Sul com a gênese da Bahia, porque a Bahia é irreverente, ela é inovadora, ela é disruptiva, ela é descompromissada com o arcaico, ela é contemporânea, ela não tem problema com isso. Então, a lógica vanguardista de viver que o baiano habita em si, eu trouxe pro Rio Grande do Sul e isso acho que acabou criando uma narrativa diferente que é o tradicional e o hall do artista se conectando em um lugar muito inusitado que é a televisão e a casa das pessoas. 

Você sempre foi um cara boa pinta, ótima forma física e sempre muito bem vestido. Como administra a vaidade? O que te faz sentir bem quando olha no espelho? Vou dizer a você que assim eu não tô falando de modéstia ou fazendo tipinho, mas não me considero esse cara boa pinta e esse cara de boa aparência física que as pessoas reportam. Talvez, porque a minha autoimagem ainda seja regada muito por minha infância e como na minha infância eu fui chamado muito de feio, talvez a minha memória afetiva da minha estética ainda more lá. Eu acho que a minha luta hoje é pra que essa visão que eu tenho sobre mim não contamine a forma como eu me relaciono com as pessoas e com o conhecimento. A minha beleza ou a minha não beleza, não pode influenciar a maneira como eu me organizo, porque eu acho que precisamos construir uma beleza que não seja acessível ao tempo e é isso que eu tento criar, eu não tenho a beleza como um trunfo de relações sociais, não vejo isso mesmo – sou super de boa com isso. 

Na hora de relaxar o que faz sua cabeça? Vou dizer a vocês que, em primeiríssimo lugar, é brincar com minhas crianças. É uma coisa que me relaxa muito. Deitar com eles no chão e vê-los subindo em cima de mim me leva pra uma outra dimensão e eles me obrigam a ir pra essa outra dimensão, ignorando totalmente qualquer relação umbilical que eu tenha com as outras pessoas na vida. Atualmente, sentar na frente do piano é uma coisa que tem me feito muito bem, porque eu tenho conseguido ficar leve, tenho conseguido escrever músicas que têm me feito uma pessoa muito feliz nas coisas que eu curto fazer. E dentro disso tudo, tomar um bom vinho, isso me faz bem e, graças a Deus, estou tendo a oportunidade de apreciar vinho e conhecer notas, isso é muito legal porque é um universo novo que se abre. Conheci o universo do vinho através da cultura africana, das vinícolas sul-africanas e isso é muito rico de ver e de sentir. Então, hoje os meus hobbies transitam nesses lugares. Obviamente, a música é um hobby maravilhoso, eu amo música, seja ouvir, compor ou cantar – me faz bem. 

Qual a maior lição de vida até agora aos 43 anos? A maior lição que eu tive nesses quarenta e três anos de vida é que o tempo leva tudo. O tempo sempre vai levar. O tempo ganha, ele vai ganhar de você, ele vai levar suas alegrias, vai levar suas tristezas e qualquer coisa qual você que fugir. Então, não se apegue a nada, viva o que você tem que viver agora, reconhecendo todo o processo pedagógico do que você está vivendo. Se você está feliz, encontre qual é a lição da felicidade, se você estiver triste, encontre qual é a lição da tristeza. A gente não pode entrar no lance de achar que isso não deveria estar acontecendo ou que outra coisa deveria estar acontecendo, o tempo vai levar. Agora, a questão toda é – você pode dentro disso sabotar o aprendizado, e quando você sabota o aprendizado, você prejudica o  tempo. E o tempo é um amigo, ele é um amigo extremamente vingativo. Acho que essa é a minha definição dele.

Para conquistar Manoel basta… Olha, pra me conquistar basta conquistar meus filhos. Eu posso até não gostar de você, mas se meus filhos gostam de você, eu sou obrigado a te amar também. Minha mãe dizia isso “A gente, pelo santo, beija as pedras”, e os meus santos são eles. Assim, quem trata mal os meus filhos, automaticamente não é digno de um milímetro da minha relação. Mas quem trata bem os meus filhos, naturalmente vai tirar tudo de mim porque está lidando com a minha razão de viver. Então, eu acho que esse é o melhor caminho para me conquistar nessa vida.

Produção Vitória Ribeiro (@vit.rribeiro)

Fotógrafo Pino Gomes (@pinogomes)

Stylist Flávio Figueiredo (@flavio_figueiredo1)

Make Priscilla Pacheco (@priscillapachecocomua)