PALADAR: ALBERTO LANDGRAF – O CHEF UM PASSO À FRENTE

om menos de dois anos de abertura, o restaurante Oteque, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, já acumulava uma lista de prêmios que diz muito sobre o nível e o conceito da segunda casa do paranaense Alberto Landgraf (ex-Epice, SP). Landgraf foi eleito o Chef do Ano pela Veja Comer e Beber Rio de Janeiro 2019; recebeu uma estrela no Guia Michelin Brasil; ficou com o 100º lugar no pódio do The World’s 50 Best Restaurants (a lista dos melhores do mundo) e, não menos importante, teve sua carta de vinhos reconhecida no The World of Fine Wine, em Londres, que elencou o Oteque como um dos 60 melhores do mundo no quesito vinho e serviço. Foi o único brasileiro a integrar o time.

O Oteque ainda não tinha completado um ano de vida quando estive lá para um jantar arrebatador – em setembro de 2018. Tudo nele impressionou. A começar pelo conceito de cozinha aberta. Não falo de um vão com parede de vidro pela qual o cliente pode acompanhar a movimentação dos cozinheiros. O Oteque é fluido, não há paredes divisórias entre cozinha, salão e bar. É confortável e minimalista. Sob assinatura de Bel Lobo, o salão acomoda apenas 40 pessoas em mesas redondas e espaçada, além de uma mesa compartilhada de frente para a cozinha, que promete a experiência mais fantástica da casa, um “cara a cara” bonito de ver.

MEMÓRIA

Fundador do extinto Epice, em São Paulo, o chef mudou para o Rio, casou, abriu o Oteque, e muita coisa mudou nessa transição, com exceção da impressionante qualidade do seu trabalho gastronômico. “Eu tenho o melhor, do sal à carne de boi – que quase não uso – porque tenho apenas um fornecedor pequeno. Eu só quero qualidade, ser justo com fornecedores e seduzir o cliente ao ponto de que ele já queira voltar, assim que terminar de comer aqui”, resume parcialmente o conceito do Oteque.

Uma das principais memórias da minha passagem pelo Oteque é o trio sardinha, foie gras e brioche tostado. Numa só mordida, os três ingredientes juntos deram uma sensação de satisfação sem igual. “Essa é a síntese do meu trabalho na cozinha”, comentou Landgraf, confirmando que comida tem que ser boa, confortante, pode ser cerebral ou não, tem que intrigar, mas que precisa ser feita com o melhor ingrediente disponível. E quem há de discordar? Longe de usar isso como bandeira, Landgraf polemiza o excesso de ativismo de colegas. “Falar de orgânicos e sustentabili­dade, a gente já fez isso e não deu certo”, dispara. “Salvar o mundo, ho­je, é obrigação de todos nós cida­dãos, não é mais meu papel como chef. Ser chef é ser um bom líder, ser justo, dar condições de trabalho à e­qui­pe. O ambiente de cozinha é des­gastante e a saúde mental dos co­zinheiros é posta à prova”, conclui.

Recordo ainda que comi ostra com pimenta de cheiro e óleo de salsinha. O molusco era rechonchudo, parecia ter saído do mar naquela horinha. Não esqueço também de uma cavaquinha com maionese de peixe servida como 3º prato do menu degustação naquele dia de setembro. Textura viva, emulsão aveludada, um prato para fazer sorrir.

Reservado, e conhecido pelo tempe­ramento arredio em relação ao mar­keting generalizado no mercado de restaurantes, Alberto acredita que praticar um ambiente de traba­lho saudável é o mínimo que pre­cisa fazer como cozinheiro líder, mas não precisa usar isso como argu­mento de auto promoção. E é assim que, discretamente, portanto, al­gumas características-chave do Oteque confirmam esse pensamento e expli­cam o porquê de o restaurante ter angariado premiações tão importan­tes em tão pouco tempo de vida – que vão além da sua excelente comida.

ALÉM DA COMIDA

A jornada de trabalho é mais suave do que na maioria das casas – o Oteque funciona de terça a sábado somente para jantar com reserva. Sua cozinha é toda de indução, não há uma chama sequer exalando fumaça. “Tem chef que fala que se não usar fogão não tem amor. Mas qual a medida de amor?”, questiona, defendendo a importância do uso do que há de melhor em equipamentos na sua cozinha.

O investimento em uma cozinha de ponta impacta ainda na salubridade – as faxinas são rápidas, dispensam o uso de produtos químicos tóxicos para o funcionário e para o meio ambiente. “Ninguém sai cheirando a gordura do trabalho”, diz. O ar-condicionado funciona melhor porque o calor residual da cozinha é mínimo, logo, gasta-se menos energia.

Não deixei de notar uma outra ques­tão a que tenho me dedicado mais a observar. Vi mulheres em car­gos estratégicos. Havia uma chef de bar, e uma sommelière, Lais Aoki, assistente de Leonardo Moraes, gerente e sommelier, super jo­vem, que fez o meu serviço harmo­ni­zado de uma forma extremamen­te habilidosa e sutil. “Metade da equipe é de mulheres. E quando uma profissional sai, a contratação é de outra mulher. A presença feminina traz sutileza e leveza que só mulheres têm. É bom dividir visões”, conclui.

A quase que completa ausência de proteínas que não sejam peixe, moluscos e crustáceos também chama a atenção. O chef não compra carne de grandes frigoríficos por questões éticas e, como disse anteriormente, conta com apenas um fornecimento exclusivo, que não daria conta de grandes demandas. Quando jantei, comi olho de cão com vinagrete de alga, ouriço com cebola assada e creme de mexilhão, batata baroa com leite de castanha, cogumelo cru e trufa negra, e lombo de porco com wagyu yakult e nabo.

A CARTA

A dupla de sommeliers responde pe­la sensacional seleção de vinhos ra­ros, quase todos orgânicos, naturais e biodinâmicos, alguns títulos brasileiros, aliás, só são vendidos no Oteque, fruto do garimpo constante dos profissionais que precisam a­companhar a cozinha atual, contem­porânea e jovem de Alberto, que inti­tula Leo e Lais como os dois dos me­lhores sommeliers do País. O pro­tagonismo do vinho também é fato novo para o profissional. Foi uma das coi­sas que mudaram entre o Epice e a casa atual: ele entendeu que co­mo negócio, o restaurante precisava vender bem a bebida e que ela tinha que estar párea ao nível da comida.

CRIAÇÃO

Em se tratando de equipe, aliás, o cuidado no recrutamento é máximo. “Eu nunca contratei um cozinheiro de outro restaurante. Eu sempre formei meus cozinheiros. Eu sou a única pessoa no Brasil que sempre contratou estagiários. Hoje, os cozinheiros do Epice são altamente disputados, todos conseguem bons empregos e trabalhos em restaurantes importantes. Eu me orgulho muito disso”, comenta.

Enquanto que na cozinha, o suporte é dado por dois cozinheiros experientes. Landgraf divide o processo criativo e o comando com dois braços direitos: Nilson Chaves, seu subchef, que veio direto do Le Bernardin, em Nova York, para o Oteque, e Igor Dinau, o chef de partida, que passou por casas como o Blue Hill, também em Nova York.

“Nilson e Igor entendem o formato do restaurante, da importância da regularidade, da expectativa dos clientes, eles já respiraram esse ambiente e fazem isso muito bem”. Em tempo. Alberto Landgraf se formou em Gastronomia pela Westminster Kingsway College, trabalhou com Tom Aikens, Gordon Ramsay e Pierre Gagnaire.

 

SERVIÇO

Oteque

Endereço: Rua Conde de Irajá, 581, Botafogo, Rio de Janeiro – RJ

Informações e reservas: (21) 3486.5758