CHEF DA VEZ: AS CORES E SABORES DE CÉSAR SANTOS

 

A unanimidade dentro da gastronomia parece algo impossível até a primeira visita ao restaurante Oficina do Sabor, na Cidade Alta, em Olinda. O convite, aliás, é exatamente escolher uma mesa no salão ou, preferencialmente, na varanda da casa – com sua vista contemplativa, e dedicar parte do tempo para ouvir atentamente o chef César Santos. Como cliente, a preocupação inicial pode até ser a escolha entre os pratos que melhor combinam os ingredientes típicos da culinária nordestina, tão rica e corretamente valorizada na casa. Mas, para uma noção mais profunda do que hoje é esse resgate dentro dos cardápios em Pernambuco, vale conhecer mais da sua trajetória. É quando a palavra unânime, dita no começo desta matéria, começa a fazer todo o sentido.

Sua noção de preparo é de longa data, na verdade bem cedo, desde as atividades junto à mãe. “Ela criou nove filhos, sendo três mulheres e seis homens. Os mais velhos se casaram e eu, aos oito anos, já a ajudava na cozinha, pois se ia preparar um bolo ou matar uma galinha, eu estava por perto também querendo aprender”, conta César, ao ter vivo na memória a tradição de executar pratos típicos junino, de Semana Santa, fim de ano e mesmo do dia a dia. O que ele tinha ao lado era uma professora e cozinheira de ‘”mão cheia”, como dizem.

No dom, que veio de família, uma das irmãs começou a preparar salgados sob o olhar atento do irmão, então com 14 anos. “Aprendi no olho, nunca pegava uma receita para fazer. Eu olhava e gravava. Por isso, aos 16, já fazia empadinha, coxinha, bolo e salgadinho de queijo para os amigos, no bairro de Casa Amarela. Depois comecei a cobrar e aceitar encomendas, ganhando meu próprio dinheiro”, detalha. Com o tempo e a aptidão cada vez mais visível aos mais próximos, o futuro “embaixador da gastronomia”, como hoje é conhecido no segmento, chamou atenção do amigo da família, João Valença, que o aconselhou a procurar o curso de cozinheiro no Senac. Era o impulso perfeito para a carreira.

“Cheguei lá aos 20 anos e passei 11 meses até sair para trabalhar num hotel-fazenda, em Moreno/PE. Durou apenas três meses. Voltei para a instituição e lá mesmo entrei em outras aulas, como garçom, atendimento, preparo de salgados, no que somou um ano e meio de estudos. Foi quando, na saída, eu já começava a fazer festas de 15 anos, batizados e até casamentos”, comenta. O que pouca gente sabe é que nesse tempo, César também começou a lidar com chocolates, incrementando ainda mais suas possibilidades.

A inauguração do Oficina do Sabor veio aos 27 anos, numa fase inquieta e ainda mais criativa de sua vida. “João Vilaça era o proprietário da casa, e ele precisava se mudar para Salvador. A única pessoa que confiava para estar no imóvel era eu. Ele me deu seis meses de carência para pagar na sequência, até eu finalmente abrir no dia 19 de novembro de 1992”, recorda. A data, aliás, é emblemática, porque também é dia de Nossa Senhora do Amparo. O desafio do começo só o fortaleceu. Antes de abrir o restaurante, o chef montava toda sua estrutura para as festas numa cozinha apertada na casa da irmã, no bairro da Ribeira. “Ela, inclusive, inspirou o nome do lugar, porque dizia que ali dentro eu transformava o alimento, como numa verdadeira oficina”, ressalta nostálgico.

Também pudera, a casa, que hoje é conhecida no Brasil todo, abriu as portas com capacidade para atender 40 pessoas. De lá para cá foram seis reformas que ampliaram para então 120 lugares. No menu figuram clássicos aprovados por turistas e pessoas de todas as partes do Estado, que buscam a gastronomia da terra caprichada em preparo e visual. Hoje, quem for por lá pode encontrar pedidas como o 17º Prato da Boa Lembrança, chamado O Mar de Corais do Recife, por reunir camarões, polvo, lula e peixe refogados na manteiga de ervas, acompanhado ainda de arroz cítrico e legumes cozidos. O colorido é atração à parte e que se estende às demais opções.

“Foi um trabalho de conquista, pois abri o Oficina naquele ano e, em janeiro, percebi a necessidade de mexer no cardápio. A casa tinha uma mangueira, logo senti que faltava inserir a fruta em alguma coisa. Na época, eu já tinha três opções de jerimum, sendo ele recheado com camarão ao coco, com charque ou com bacalhau, foi então que incluí o jerimum recheado com camarão ao creme de manga. Foi um verdadeiro sucesso, e indicou que eu estava no caminho certo ao explorar bem as frutas”, explica. Não demorou muito e os pratos sempre tinham um toque de abacaxi, pitanga, banana, maracujá ou caju. “Fiz um curso de licor e descobri que algumas frutas, quando passavam um tempo fermentando com o açúcar, criavam teor alcoólico. Então cortava o maracujá e botava no açúcar, deixando fermentar de um dia para o outro. Depois levava para o fogo e fazia uma calda. Quem provava sentia o sabor”.

TORROIR NORDESTINO

A atenção aos detalhes fez César valorizar ainda mais a formação acadêmica de cozinheiro alinhada ao entendimento prático da cadeia produtiva. Ir à feira, conhecer os ingredientes e saber que em torno disso há uma agricultura familiar clamando pela atenção do governo é parte de sua luta junto aos chefs pernambucanos. Tudo isso partindo da premissa de não se acomodar. Para se ter uma ideia, ele continua fazendo festas mundo afora, levando na bagagem queijo de coalho, bolo de rolo e manteiga de garrafa, como forma de divulgar não só esses insumos, mas, principalmente, a cultura nordestina.

Um trabalho de formiguinha, como o próprio chef diz, mas que chamou a atenção da companhia aérea TAP. Primeiro fui convidado por Dânio Braga para fazer o cardápio da primeira classe da Varig, por três anos. Na época, éramos eu, ele, Flávia Quaresma e Alex Atala. Quando a empresa fechou, passou-se um tempo e fui convidado, há quase nove anos, pela TAP no Brasil, a fazer parte da gastronomia dos voos com destino a Portugal. E se pensou na ideia de regionalizar as opções. Dânio Braga ficou com as saídas do Sul e eu com as do Nordeste pela classe executiva. Já estou no terceiro menu com eles”, orgulha-se.

Sobre o atual movimento que busca a “cozinha terroir”, ele é categórico! “É algo que já faço há mais de 20 anos. De chegar para um político e alertar que o bolo de rolo precisa ser registrado como patrimônio cultural, de pedir em nome do produtor e falar que gastronomia é, sim, cultura, e até mesmo de pegar na mão dos meus colegas e dizer para compartilharmos”, diz ele, que na trajetória também criou, junto aos empresários Ana Lins e Márcio Sena, o primeiro Festival Gastronômico de Pernambuco, onde há 14 edições promove o intercâmbio de chefs de todo o Brasil.

Não é à toa que boa parte dos seus conhecimentos rendeu duas publicações. “Foi uma consagração. O primeiro livro, pela Lei Rouanet e o segundo, pelo Senac, mostram uma forma de perpetuar sua história, pois o que era a nossa cozinha há 24 anos? Falava-se em comida francesa, mas não dos produtos regionais. Ninguém saia de casa pra comer um queijo coalho ou uma carne de sol, por exemplo”, reforça.

Hoje em dia, no Oficina do Sabor, ele consegue reunir tudo isso e mais um pouco. É que suas ações para o futuro dentro da casa incluem investir nos festivais, elegendo seis ingredientes específicos para serem a vedete em períodos distintos (exceto aos domingos). Trata-se de um menu fechado a R$ 78 – com taça de vinho. Entre os já realizados está o “De tudo um coco”, que teve uma sobremesa feita com pudim de coco, maria mole e cocada cremosa. “Também estamos organizando as comemorações de 25 anos do restaurante no próximo ano. Será um projeto com a diagramação do cartunista Humberto, entre outras novidades sempre feitas com muito carinho por mim e toda a equipe”, conclui.

SERVIÇO:
Oficina do Sabor
Rua do Amparo, 335 – Cidade Alta, Olinda/PE
Fone: (81) 3429.3331