ENTREVISTA: Alexandre Nero, som e fúria de um grande artista em constante evolução‏

A entrega e a dedicação com a qual Alexandre Nero encara seus projetos cria em quem o assiste uma satisfação e uma avalanche de sentimentos que fica difícil listá-los aqui. Seja um personagem de caráter duvidoso ou exemplar, com certeza sabemos que não ficaremos inertes, indiferentes à eles. Foi assim com o humilde e romântico Vanderlei, seu primeiro trabalho em novela global, ou agora com o furioso zoiúdo, quer dizer, Baltazar, de Fina Estampa. Nada fica inerte depois da fúria desse ator que a cada dia se descobre mais e se desdobra em muitos personagens e inúmeros sentimentos. Um ator musical, ou melhor, dizendo, um homem das artes, seja dramaturgia ou música, Alexandre Nero coloca fogo em tudo e diz a que veio. Mas de onde veio esse curitibano tatuado que aos 41 anos tem um gás e uma força de quem acabou de sair de uma estréia? Ele vende amor em doses personalizadas e colhe aplausos incondicionais.

Com muitos anos de carreira emplacados sucessos na TV, no teatro e no cinema. Como foi seu início como ator? Passou alguma dificuldade, momento de sorte…? Meu início de ator foi como músico (risos). Eu entrei numa peça para ser o músico e cantor. Durante os ensaios e improvisos, foram me dando uma fala aqui, outra ali, tive um certo destaque na peça e acabaram me chamando para outro espetáculo, e outro, e outro….e as coisas foram acontecendo como que se fugisse do meu controle. Foi assim! Tive muitas dificuldades artísticas e financeiras no início da carreira, como qualquer outro profissional, seja nessa área ou não. Nada incomum. Era um artista sem referências, sem munição, sem experiência (mas não tinha essa noção na época). O tempo foi me aprimorando. Momento de sorte foi encontrar pessoas e artistas brilhantes que passaram na minha vida, enriquecendo-a cada vez mais e me dando a noção do que hoje eu entendo como arte.

 

Cantor, compositor, músico, arranjador, sonoplasta, diretor musical e três discos gravados. Você é um cantor/músico que atua ou um ator músico/cantor? O que te dá mais prazer? Demorei muito tempo, para que eu mesmo, me considerasse um ator. Durante 10 anos, atuando com frequência, ainda eu me intitulava “um músico que atua”. O porquê disso? Era mais fácil pra mim compreender a música do que o ofício do ator. Eu enxergo limite na música (estou falando da música e do teatro ocidental-não-experimental). Ela tem sete notas musicais, seus bemóis e sustenidos. Na música eu encontro chão, engenharia, matemática e arquitetura. O ofício do ator é muito subjetivo. Basicamente atuar é “fingir ser ou pessoa”, mas não é só isso. O que estou tentando dizer é que qualquer um pode aprender a tocar um instrumento ou cantar, mas nem todos conseguem atingir o tom da verdade em “atuar”. E sem isso não há ator, há apenas um personagem vazio. Uma nota “Lá”, tocada num piano por qualquer pessoa, sempre será a nota “Lá”. A palavra “Não”, pode ser dita de infinitas maneiras. Não sei o que é ser ator, e nem acredito em quem “diz” saber. Quando compreendi isso, que eu estava trabalhando com algo que nem sempre pode ser compreendido, explicado ou teorizado, me aceitei como ator.
Você chegou aonde queria na vida profissional ou nunca estabeleceu metas deixando a vida seguir solta? Cheguei onde eu queria. Eu queria só viver de arte, e isso eu faço há 22 anos. Trabalho com as duas possibilidades. Deixo que a vida me leve, se eu quiser que ela me leve, e estabeleço metas onde a vida não está me ajudando muito. O artista tem que fazer suas obras e projetos, para que não vire refém da sorte de cair em “bons” ou “maus” projetos. Só acredito no artista criador. Não consigo trabalhar com quem pensa que artista é marionete.

 

O que Vanderlei, seu personagem em “A Favorita”, tinha de tão especial para conquistar o público mesmo não fazendo parte do time de personagens principais? Não sei, mas podemos divagar sobre isso. Posso ter alguns palpites e “achismos”. 1) Acho que o personagem era um”herói” naquela situação. 2) Eu estava contracenando com Lilia Cabral, que é uma grande atriz, que entende muito do ofício e sabe conduzir uma cena e a novela como poucos. Fui na cola dela (risos). 3) Eu era uma cara nova, isso criou uma curiosidade nas pessoas. 4) E também acho que tive a sorte de escolher uma linha de interpretação e personagem, que caiu no gosto do público, com muito carisma.Baltazar, seu personagem em “Fina Estampa”, batia na esposa, maltratava e explorava a filha, é homofóbico e tem um humor de dar medo, será que há algo nele que “se salve”? (risos) Sabemos que tudo pode mudar, pois novela é uma obra aberta, mas por enquanto é isso. Eu sou a pessoa errada pra falar sobre o Baltazar, pois quando estamos em um personagem tentamos arrumar e vasculhar todo um passado dele. Imaginamos, criamos uma vida pra ele. Eu compreendi esse cara, eu o entendi, e por isso hoje me afeiçoei à ele. Acredito que a violência seja um pedido de socorro. Acho que é um homem que nunca foi amado, nunca foi acariciado pela mãe ou pai, se é que conheceu um dos dois. É um homem que virou um casca dura, justamente por ser frágil. Os valentões, no fundo, são uns bunda-moles, e inseguros. É como diz a música “Cara Valente”, do Marcelo Camelo: “…Esse humor, É coisa de um rapaz, Que sem ter proteção, Foi se esconder atrás, Da cara de vilão”. Sua homofobia vem da ignorância de não conviver e conhecer o outro e por isso, não tolerar diferenças. Não o acho “mau”, pois o acho “burro”. Acredito que é preciso inteligência para se fazer “maldades” (não entender inteligência como conhecimento adquirido, ou cultura erudita). Baltazar não tramou nada contra ninguém e nem arquitetou maldades… pelo menos, ainda (risos).

 

Toda essa ira de Baltazar em algum momento te espanta? Te incomodava de alguma forma as cenas de espancamento dele na esposa? No início foi muito difícil pra mim. Tive muita dificuldade de entender o porquê de se espancar alguém, ainda mais uma mulher… Com o tempo fui achando as fraquezas dele, e foi aí que ele me convenceu. Um homem violento é fraco.Como lidar com a violência doméstica? Além da violência física, qual outra é imperdoável num relacionamento? Violência doméstica deve ser lidada com denúncia, e aparato psicológico para o marido, mulher e filhos, se tiverem. É preciso que entendam as diferenças e as respeitem. Temos que ter atenção também com a violência verbal, ou psicológica, que pode causar até mais danos aos agredidos do que a física.

Falando em casamento… Que histórias e lições deixam um casamento de 10 anos? A lição de que tudo tem ou pode ter um fim. Que a palavra “fim” não é sinônimo de algo ruim, e sim de recomeço. A lição de que casar é bom e também ruim, assim como ser solteiro é bom e ruim. Quando se está casado se quer estar solteiro, e quando se está solteiro se quer estar casado. Que somos eternos insatisfeitos. Que é preciso muita sabedoria para se conviver com o dia-a-dia. Aprendi que (todos sabem na teoria, mas na prática poucos conseguem), é necessário respeitar o espaço e o tempo de cada um. Já é difícil conviver conosco, sozinhos… ainda mais com o outro (e quando digo isso, não falo só do casamento tradicional, falo também da convivência diária no emprego, da família, entre amigos, etc…) E agora estou reaprendendo que cada pessoa é uma pessoa, e devemos estar abertos para conhecer novos lugares e amores.

 

 

Você tem receio, ou você já percebeu que aconteceu, das pessoas te verem com maus olhos por conta do Baltazar? A sua interpretação impecável tem criado essa imagem “negativa” em relação a você? Sem dúvida! Todos confundimos ator e personagem. Até mesmo quem é do ramo, o que dirá os leigos. O assédio das pessoas depende sempre do personagem. Quando fazemos um homem sexy, somos muito mais assediados do que fazer um troglodita que fala errado, e não tem bom gosto para se vestir. Todas amam Al Pacino, pois ele sempre fez um homem forte e de atitude no cinema. Se fosse um personagem bocó, bobo, muita coisa mudaria. Eu nunca fui mal tratado na rua, sempre falam em tom de brincadeira, mas sei que é por que estou ali, se não tivesse muita gente falaria mal de mim, mesmo não me conhecendo. A imprensa ruim também ajuda a confundir as pessoas. Esses dias saiu uma foto minha (sorrindo – coisa que o Baltazar não fez na novela toda) na capa de uma revista onde a matéria falava do Baltazar e não de mim. Outra vez estavam falando de mim, e tinha uma foto do Gilmar (personagem que fiz na novela “Escrito nas Estrelas” com uma cara de mau caráter). Ali não era eu. O povo confunde, a imprensa ajuda a confundir, e nós vamos tentando nos salvar como dá. (risos)Qual o maior erro que um homem pode cometer ao tentar conquistar uma mulher? E vice-versa? Não creio em erros e acertos. Estamos todos brincando, se divertindo, conquistando, e ninguém deve responsabilidade a ninguém. Às vezes tentamos conquistar e não conseguimos. Tentamos “acertar” e acabamos “errando”, e vice-versa. Tem vezes que nem tentamos e já conquistamos.

 

 

O que as mulheres ainda não sabem (ou teimam em não saber) sobre os homens? E o que você gostaria de saber sobre elas que ainda não aprendeu? Não posso falar sobre “AS mulheres” ou sobre “OS homens”. O que posso, talvez, é refletir sobre mim, sobre que o que está ao meu redor, e sobre algumas mulheres e homens. Nunca os padronizando. Sempre será pra mim, um universo de descobertas. Mas ao invés de responder com “minhas verdades”, gostaria é de perguntar para que possamos divagar sobre esse assunto em outro prisma. Eu também perguntaria: “O que os HOMENS ainda não sabem sobre os homens?” Esse é um assunto bastante recorrente pra mim nesse momento em que as mulheres conquistaram seu espaço, por direito e merecimento, e nós ficamos perdidos e sem saber onde e como se colocar. Claro que ainda existem algumas mulheres machistas, que querem um homem que cuide da casa, cuide dela, pague a conta, escolha o vinho, seja herói, não tenha problemas, seja viril, tenha “pegada”, etc…
Mas as novas mulheres chegaram e estão chegando cada vez mais, e nós homens precisamos conquistar o nosso espaço, que também nos pertence. E eu me pergunto: “Que lugar é esse?”. Penso que seja um lugar, que antes era exclusivo delas. O espaço da docilidade, delicadeza, de não ter medo de se mostrar indefeso, frágil, inseguro. O espaço onde possamos, nós homens, dividir carinho e afeição entre homens. Claro que sei que ainda temos muito o que percorrer para que nossa cultura machista (e homofóbica, em alguns casos, até mesmo pelos próprios gays), não confunda “afetividade e carinho entre homens” com algo exclusivo dos casais gays. Num momento onde todos os termos (“politicamente corretos”) estão sendo revistos para serem melhor adequados em nossa sociedade, ressalto que os homens devem conquistar o espaço para serem “homoafetivos”, pois mesmo eu sendo heterossexual, sou um homoafetivo. Tenho afeto por homens. Não devo ter vergonha de dizer a um amigo meu que o amo.Pode parecer que eu esteja exagerando, mas não. Cito aqui a psicóloga e escritora Christina Montenegro, autora do livro ”Homem ainda não existe”. Ela diz: “Vou ficar MUITO feliz, quando aparecerem meninos reclamando porque eles são proibidos de brincar com bonecas, de casinha, de chorar, de fazer balé, de lavar a louça… Logo, de poderem aprender a ser pais, a ser donos de casa autônomos, de exercitar suas sentimentalidades, de fazerem todas as catarses que precisem, de desenvolver seu senso estético, de desenvolver sua cooperatividade (senso ético), etc...”

Seu livro preferido é a Língua de Eulália, uma novela sociolingüística de Marcos Bagno. Por que este livro é especial pra você? Não digo que seja meu livro preferido, mas sem dúvida é um dos que mais cito. Os motivos são de ser algo muito atual nas discussões e exercícios intelectuais que participo. Um exemplo que posso dar é que passamos agora por um momento histórico, onde um homem do povo e semi-analfabeto se tornou presidente da república (não sou e nunca fui PT ou aliado, ou Lulista, ou qualquer outro nome que se queira dar) e as pessoas que não concordavam com ele, usavam sempre o argumento de que ele não sabia falar ou escrever “corretamente”, para assim o desmoralizar. Eu não compactuo com isso. Pra mim, isso é fascismo! É apenas mais um  preconceito como tantos outros que carregamos. Marcos Bagno é um estudioso que prova que não existe o “certo” e o “errado” na língua portuguesa. Mostra que tudo não passam de convenções e regras impostas por meia dúzia de intelectuais. Nada mais do que uma prisão. Millôr já dizia: “A ortografia é apenas mais uma ditadura”.

Não posso admitir que um homem, só por não falar ou escrever de acordo com o que a academia brasileira de letras decidiu, seja humilhado. Existe uma cultura oral no Brasil muito mais relevante e mais enraizada do que as regras da erudição. O sábio compositor popular Bezerra da Silva dizia: “O advogado inventou aquelas palavras difíceis pra falar no tribunal pra nós, negros do morro, não entendermos. Pois nós inventamos a nossa língua (gírias) para que eles também não nos entendam”. Prefiro as pessoas que escrevem “errado” e pensam “certo”, do que as que escrevem “certo”, mas pensam “errado”.

A fama traz exposição da vida pessoal. Até onde isso te incomoda?Sobre eu falar sobre minha vida pessoal não me incomoda em nada, o problema é as pessoas ficarem distorcendo, falando, ludibriando, inventando, criando e vendendo uma “vida pessoal” como minha, sendo que não é. O que eu falo, é por que quero que saibam, o que não falo, não deveria interessar a ninguém.

Os anos 50 foram marcados por 2 tipos de beleza feminina, a ingênua chique, como Grace Kelly e Audrey Hepburn e a fatal e sensual como Rita Hayworth e Ava Gardner. Qual desses tipos é mais atraente aos olhos masculinos nos dias de hoje, a mocinha ou a matadora? As duas! Ou as três ou quatro! Não creio que exista “um tipo” que nos atraia, assim como não há apenas “um tipo” de homem que atraia as mulheres. É um “todo”,  que pode ou não nos atrair.
As suas tattoos são bem diferentes e compõe com um visual mais “cabeça”. Como surgiram? Tem que significados? Tenho uma grande, preta, no antebraço que pensei apenas como designer. Um desenho que eu gostasse e que visualmente me interessava ao tocar meu violão. O significado dele é apenas estético. E tenho uma outra pequena, em vermelho, que é o símbolo do meu segundo CD, “Maquinaíma”. É uma engrenagem.

 

De onde veio inspiração para seu mais novo CD “VENDO AMOR – em suas mais variadas formas, tamanhos e posições”? Como tema, veio da minha inquietação e minha mania de provocar discussões (risos). “Amor” é um tema batido, já bastante recorrente na poesia, esmiuçado pelos poetas. Nas canções populares é o protagonista, e como diz o filósofo-humorista comtemporâneo Dino Cantelli: “O amor cria mais músicas ruins do que casais românticos” (risos). É tido como um tema “clichê” para canções, eu me perguntei se era isso mesmo. Fui atrás. Pesquisei músicas, linguagens, canções, poemas, compus, e me convenci de que não era o tema, e sim a forma que estava com validade vencida. É claro que está também contido ali a ironia de “vender amor”. A falsa ilusão de que ali, dentro daquele produto, “contém amor”.
Isso por que é assim que a publicidade tem tentado nos vender as coisas. Estamos consumindo sem parar a procura de um “amor” que está nos faltando. O amor tratado como mercadoria. Hoje não se vende nenhum produto que não esteja atrelado ao “amor”. Sempre uma mensagem subliminar que ao adquirir aquele produto sua família ganha, o mundo ganha, você está “fazendo o bem”, “ajudando alguém” ou algo assim. É a falsa filantropia. Em relação à estética sonora, eu e o Gilson Fukushima (produtor do CD) fomos buscar nas bandas marciais, bandas de coreto, fanfarras e realejos. Nesse cd tive uma forte influência das trilhas de cinema, principalmente Wim Mertens e Yann Tiersen.
O que você gosta de ouvir quando não está cantando e o que gosta de ver quando não está gravando? Eu ouço e vejo de tudo. Não me privo de nada. Acho que vai mais pelo meu estado de espírito do momento. Não consigo acordar ouvindo pagode, em compensação também não quero Bach no meu churrasco.Que defeitos você procura combater e que virtudes você busca? Temos todos os defeitos e todas as qualidades. Somos uma infinidade de coisas. Eu sou um paradoxo, uma contradição. Não consigo enumerar meus defeitos, pois são muitos, assim também com minhas virtudes. Não estou fugindo da resposta, mas é que qualquer resposta que eu der será momentânea, e meramente pra constar.

 

Site oficial: www.alexandrenero.com.br