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Ator, diretor e produtor, Guilherme Leme Garcia vive e respira da arte. E para celebrar seus 40 anos de carreira, está de volta com “O Estrangeiro Reloaded”, versão teatral atualizada do clássico de Camus. E com esse espetáculo, Guilherme retoma a dobradinha com Vera Holtz, que assina a direção. Discreto e avesso a badalações, o ator conversou com a MENSCH sobre essa volta aos poucos com a peça 15 anos depois da primeira versão, além de futuros projetos como diretor.
Você está voltando com uma releitura de uma peça encenada há 15 anos. Por que sentiu a necessidade desta nova leitura? Na verdade o desejo de reler esse texto do Albert partiu de duas provocações – uma delas do meu produtor, Sérgio Saboya, e outra do curador do Teatro Vivo e do Teatro Porto Seguro, André Acioly. Na época, há 15 anos, ele era curador do Teatro Eva Herz (SP), e foi lá que eu fiz a primeira versão da peça. Tanto o Sérgio Saboya quanto o André me provocavam muito desde a época da pandemia, que eu deveria voltar porque eles achavam que tinha sido uma obra muito importante e de muita relevância, e que fez uma carreira muito bonita. Eu estreei em 2009 e fiquei quatro anos em cartaz, viajei o Brasil inteirinho, todas as capitais, muitas cidades do interior.
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O que mudou em 15 anos? Uma das coisas que primeiro me bateu foi conversar com a Vera Holtz, na primeira versão ela já tinha sido a minha diretora. Eu falei pra ela: olha Vera, estão querendo que a gente volte com a peça, só que eu não tenho vontade de voltar com a mesma montagem, a mesma versão. Eu só vou ter tesão de subir no palco se a gente fizer uma outra montagem totalmente diferente. Ela foi completamente a favor desse meu pensamento, e disse: claro, se passaram 15 anos desde que a gente fez a primeira montagem. Nesses 15 anos tudo mudou, o mundo mudou, né? O mundo hoje vai numa velocidade estonteante de evolução, às vezes a gente até acha que é, em alguns pontos, uma involução mas, enfim, o mundo se transforma a cada dia.
Os desafios de encenar uma peça são diários. Qual o grande barato disso? O trabalho teatral, o fazer teatral, essa ação diária de ir ao teatro e fazer a peça, a mesma peça toda noite, realmente é um desafio e o desafio é que a coisa não fique no mesmo lugar. Cada dia é um novo dia, então a cada vez que eu subo no palco eu tento trazer uma emoção diferente do que foi na noite passada, uma sensação diferente. E brincar, brincar com o texto, brincar com a interpretação e trocar com a plateia, isso é muito importante, e você sente essa troca quando – principalmente no monólogo – sente a energia da plateia, e ela também transforma o ator que está em cena. Então, acho que o grande desafio, e o grande barato do teatro. Na fase de ensaio nem se fala, porque a fase de ensaio é uma fase de descobertas, de mergulhos no desconhecido. E quando você entra em cartaz, o desafio continua, a cada noite vem o desconhecido, porque é uma nova plateia que está ali na sua frente. E também o desconhecido no sentido de “qual emoção vai aparecer naquela noite?”, Esse é o grande barato das artes performativas.
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Como ator e como diretor, o que te encanta e o que te desafia? Como ator e diretor, na verdade como artista, o que me encanta são os mistérios da arte. Eu acho que, assim como a vida, é um mistério, a arte também traz dentro de si um grande mundo inexplorado, isso que me encanta. E como diretor, eu gosto de praticar a narração de histórias, sempre quero saber como vou contar essa história, de que maneira vou levar essa história para o público, porque todas as histórias do mundo, de certa forma, já foram contadas, então o que importa é a maneira que você conta. Como ator, o que me encanta é a prática, o exercício, o fazer diário da minha profissão.
A que você atribui o momento atual de salas teatrais cheias? Esse momento atual do Teatro, com salas cheias, é um momento muito feliz para todos nós. Acho que, tanto para os artistas quanto para o público. Acho que isso foi uma resposta ao mundo pandêmico que a gente viveu, onde ninguém podia se juntar e ninguém podia mais confraternizar com a arte viva, ao vivo. Acho que essa falta de estar presente, de estar unido, de estar em público e de estar comungando com uma performance fez muita falta pra todo mundo, deu vontade das pessoas estarem juntas. Elas perceberam, acho que todo mundo percebeu, que estar junto participando, praticando arte ao vivo, não tem preço.
Você tem uma parceria profissional antiga com Vera Holtz. Como funciona a troca entre vocês? Eu e Vera Holtz temos uma parceria muito bacana há 30 anos. Foi a partir de 1994, 1995, quando fizemos uma novela juntos. Nós éramos um par romântico de uma novela, ficamos muito próximos, chegamos até a nos apaixonar um pelo outro. Curtimos esse momento, e depois da paixão veio uma grande amizade. Eu e Vera somos da mesma fonte, nós somos caipiras do interior de São Paulo, as nossas famílias são muito parecidas e eu acho que nós dois sempre tivemos o mesmo interesse pelas artes. Uma curiosidade muito grande que acho muito importante num artista. Eu e Vera sempre fomos curiosos tanto em relação às artes em geral como na nossa relação, em relação ao outro.
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Desde sua estreia já se vão 40 anos de carreira. Do que mais se orgulha e pelo que não gostaria de ter passado? Sim, 40 anos de carreira aonde muita coisa já aconteceu, muitos acertos e também muitos erros, mas a gente só acerta errando, né? Como dizia o grande Antonio Abujamra, diretor de teatro. Ele falava que na vida dele tinha, a cada 10 peças que dirigia, uma que dava certo. Porque as outras nove eram erros que ele sabia que na 10ª não poderia cometer. Acho que é isso a vida, é um caminho cheio de pedras, e a gente vai pulando, às vezes tropeça, às vezes vem uma cachoeira linda, você toma um banho gostoso. O que me orgulha nesses 40 anos é a persistência que tenho em ser fiel ao meu desejo de praticar a arte, e o que me desagradou nesses 40 anos, claro, houve momentos em que eu não fui tão feliz, mas acho que isso também faz parte de um caminhar. Por que a vida é assim, tem altos e baixos, tem alegrias e tristezas, tem vitórias e derrotas, e é isso que constrói um artista, né?
Você sempre foi discreto em relação a sua vida pessoal. Como se resguarda? Como blindar sua individualidade da super exposição? Eu sempre tive um certo problema com essa coisa de ser celebridade, nunca foi uma coisa que me agradou, porque você fica muito exposto, né? Eu gosto de ir à feira, à padaria, eu gosto de lugares públicos com bastante gente e gosto de ser mais um só ali, e não ser o artista que está ali. Então, de certa forma, até foi isso que me afastou um pouco da televisão. No teatro, a gente tem mais esse resguardo. Eu não fico me expondo nas redes sociais, não sou de ficar aceitando fazer muita live, gosto de coisas pontuais importantes, de entrevistas para veículos importantes, de respeito e de conversar, como estou fazendo aqui sobre a minha carreira de uma maneira séria, de uma maneira reflexiva.
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Quais os seus lazeres preferidos quando não está trabalhando? Os meus prazeres, quando não estou trabalhando, são ir ao teatro, ver uma bela exposição, ler um livro, ir ao cinema, assistir shows. Eu gosto dessas várias formas de expressão artística, isso me dá prazer, é o que faço quando eu não estou trabalhando. Embora isso de uma certa forma também seja parte do meu trabalho porque, como artista, tenho o dever, né? Faz parte do meu ofício assistir todas as formas de arte, as expressões artísticas que acontecem e, além disso, eu gosto muito de sentar numa mesa, comer uma comida gostosa tomando um belíssimo vinho e conversando com os amigos e amigas. Esse é um grande prazer que eu tenho.
Planos para o futuro? Meus planos daqui pra frente, a curto prazo: quero fazer muito essa minha peça, “O Estrangeiro Reloaded”, quero ver se consigo repetir o mesmo êxito que consegui com a primeira versão, ou seja, viajar muito pelo Brasil, fazer cidades do interior de todos os interiores do Brasil, as capitais. E para que isso aconteça, eu acho que vai bem uns dois anos. Tenho espetáculos, projetos que vou dirigir – um deles, o próximo, é Hip-hop Hamlet, um Shakespeare, Hamlet no universo do hip-hop. Tem alguns outros ainda sendo escritos, em fase de elaboração e de captação, então ainda não dá muito para falar.
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Fotos Priscila Nicheli
Styling Samantha Szczerb
Beleza Patricia Nicheli
Assessoria JS Pontes
Agradecimentos Amil Confecções, Breda e Raffer