COLUNA DO MALTE: MUITO ALÉM DO RÓTULO: O VALOR DE UM UÍSQUE SEM IDADE DECLARADA

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Por Carlos Henrique

Em um jantar reservado no Fasano, alguém pede a carta de uísques com a mesma atenção com que escolhe o vinho que será servido em taça Zalto. Um gesto refinado, quase instintivo. Mas, ao se deparar com um rótulo sem idade declarada, o olhar vacila. Onde está o número? Onde está o prestígio? Acontece que, no universo dos grandes uísques, tempo não é tudo. E, muitas vezes, é justamente quando ele sai do centro do palco que a verdadeira maestria aparece.

O BARRIL É O ALFAIATE DO UÍSQUE

O carvalho europeu, mais denso e tânico, traz à tona especiarias secas, couro e um amargor refinado — como o final prolongado de um vinho do Douro bem envelhecido. E há o carvalho mizunara, uma raridade japonesa que exige paciência e domínio – seus poros amplos revelam, com o tempo certo, notas de incenso, sândalo e um toque quase etéreo de chá verde defumado. É o equivalente, no mundo da madeira, a usar linho italiano no inverno e ainda fazer funcionar.

Agora, se esse barril já teve vinho do Porto, Jerez ou vinho Rioja antes, ele entrega mais do que sabor –  entrega memória líquida. O uísque absorve nuances complexas, criando camadas como uma boa conversa no terraço de um hotel cinco estrelas.

O FATOR CLIMA MUDA TUDO

Em países de clima quente como Índia, Taiwan e partes do Brasil, o envelhecimento ocorre de forma acelerada. Parece uma vantagem, mas pode ser um problema. O calor faz com que o destilado absorva a madeira de forma intensa e rápida – e isso, com o tempo, pode arruinar o equilíbrio. Uísques muito amadeirados se tornam agressivos, taninos dominam e o frescor se perde.

Por isso, marcas como Amrut (Índia) ou Kavalan (Taiwan) trabalham com envelhecimentos curtos, mas extremamente controlados. É uma engenharia de tempo – esperar demais significa perder tudo. Na Escócia, no Japão e em algumas regiões frias da Europa, o clima temperado permite maturações prolongadas e sofisticadas. Lá, o tempo trabalha como um relojoeiro suíço – sem pressa, mas com precisão. E é nesses países que muitos uísques NAS (sem idade declarada) são criados a partir de barris com histórias ricas, selecionados por mestres destiladores que buscam resultado, e não número.

EXEMPLO DE SOFISTICAÇÃO SEM IDADE: LEDAIG SINCLAIR RIOJA CASK

Da destilaria Tobermory, na Ilha de Mull, nasce um exemplo que rompe paradigmas: o Ledaig Sinclair Rioja Cask Finish. Apesar de não exibir a idade, ele entrega uma aula de complexidade. Levemente turfado, com finalização em barris de vinho Rioja, apresenta notas de frutas vermelhas, fumaça salgada e um corpo quase sedoso. É um uísque que não precisa provar nada – ele apenas entrega. Como uma obra de arte assinada por um artista contemporâneo ainda vivo, mas colecionada por aqueles que sabem o que têm nas mãos.

CONHECIMENTO É O NOVO LUXO

O mundo mudou. Status já não se mede apenas com cifras, mas com repertório. Saber reconhecer um uísque bem maturado, independentemente da idade declarada, é como entender a diferença entre um tinto genérico e um Barbaresco de produtor artesanal – é uma questão de cultura. A idade pode impressionar os desavisados. Mas, para quem conhece, o que vale mesmo é o conteúdo da taça, a história de cada barril, o cuidado em cada lote, porque, no mundo dos uísques, assim como no universo do luxo verdadeiro, o que não se vê… é exatamente o que vale mais.