ARTE: IVONE SHIRAHATA, A CERAMISTA

Natural de Registro no interior de São Paulo, Ivone Shirahata iniciou seu contato com a cerâmica em 1992 com o Mestre Lelé e em 2004 tornou-se aluna e discípula de Shoko Suzuki, renomada ceramista no Brasil, o que foi de importância fundamental na formação da sua arte. Algo que surgiu como hobby que aos poucos foi tomando outra proporção e quando viu suas peças ganhando o mundo e as galerias de arte percebeu que tinha encontrado seu caminho. Ivone atuou na Comissão de Arte Craft da Sociedade Brasileira da Cultura Japonesa – Bunkyo (SP) e já participou de diversas Mostras Coletivas de Arte Cerâmica e realizou sua primeira individual em 2013, com o tema “Origem”. Em 2006 inaugurou em Cotia o Atelier Terra Bela onde ensina técnicas de modelagem manual e no torno, e desenvolve seu trabalho modelando objetos e utilitários manualmente ou no torno.

Ivone, conta um pouco da sua trajetória até aqui. Como a arte da cerâmica surgiu na sua vida? Sou formada em Serviço Social pela PUC-SP e atuei na área por cerca de 15 anos em empresas privadas e públicas. Encontrei a cerâmica quando buscava algo para fazer como hobby. Fiquei encantada e muito curiosa com todo o processo. A argila me chamou muita atenção pela sua característica transformadora. Com um simples pedaço desse material, podemos construir uma infinidade de objetos e aos poucos fui percebendo que a argila poderia também transformar vidas. Entendendo esse aspecto e encontrando as condições favoráveis, decidi pedir a minha demissão para me dedicar ao aprendizado mais efetivo da cerâmica. Já fazem quase 30 anos que a minha caminhada pelo mundo da cerâmica teve início e o desejo de continuar é cada dia maior.

O que te encanta mais na cerâmica? Alguma técnica especial? Faço objetos utilitários como pratos, xícaras, jarras, luminárias, copos, moringas e muitos outros e realizo trabalhos maiores, que considero como esculturas, seguindo a técnica milenar de alta temperatura. Desenho as peças, modelo em argila sobre o torno ou manualmente através de placas ou rolinhos. Após o acabamento elas aguardam a secagem para entrar no forno para a primeira queima (900o C), que dura cerca de 10 horas. Após essa queima, as peças recebem o vidrado ou esmalte e retornam ao forno para a última queima, a 1280o C, que dura cerca de 12 horas.

Qual sua rotina? Dedico tempo integral à cerâmica. Durante a semana, concentro-me nas aulas e no final de semana, na criação e produção de peças esculturais.

Como é o processo da argila para a cerâmica? A argila torna-se cerâmica somente após passar pelo processo de queima. Essa matéria-prima é encontrada em toda a face terrestre e há relatos arqueológicos de mais de 7 mil anos aqui no Brasil. O processo de produção de uma cerâmica envolve muito estudo e prática. Ao fazer uma peça utilitária, há que se levar em conta vários aspectos, tais como: escolha da argila mais adequada, funcionalidade e design. Não há como falar que uma coisa é mais importante do que a outra, tudo tem que fazer sentido. Ao fazer uma peça artística o processo é um pouco diferente. No meu caso, preciso de um ambiente de silêncio. Sinto a necessidade de estar só para que eu possa me concentrar, refletir e estabelecer um diálogo mais profundo com a peça que será criada.

Como é o marcado de cerâmica no mundo hoje em dia? Eu diria que temos vários centros de produção da cerâmica manual no mundo inteiro. Se pesquisarmos sobre a história da cerâmica podemos verificar que cada país tem a sua característica e a sua especificidade, porém existe um fio condutor que une os ceramistas, seja pelas técnicas, habilidades e estilos diferenciados ou seja pela grande paixão pelos resultados que podemos conseguir com essa simples matéria, que é a argila. Quando falamos de cerâmica de alta temperatura no século XX temos que lembrar das figuras de Bernard Leach (1887-1979) e Shoji Hamada (1894-1978). Esses dois ceramistas, o primeiro nascido em Hong Kong (Britânico) e o segundo no Japão, foram importantes figuras para a difusão da cerâmica de alta temperatura no Ocidente. Esse tipo de cerâmica passou a ser uma linguagem universal, conhecida como stoneware, uma cerâmica de alta temperatura (1280 a 1300o C), queimadas em forno a lenha, a gás ou elétrico. Modeladas uma a uma ou utilizando técnicas de reprodução artesanal, a cerâmica tem resgatado um fazer inspirado em técnicas milenares. Creio que aí está um dos motivos pelos quais ela se torna tão interessante. Seria muito difícil qualificar qual é a melhor cerâmica que temos nos tempos atuais, ou onde estaria o mais importante centro de cerâmica. Eu diria que cada país ou cada região tem se desenvolvido muito, tanto na cerâmica utilitária como na artística.

E como é no Brasil a produção e criação de cerâmica de arte? No Brasil, a difusão da cerâmica enquanto Arte foi iniciada com a chegada da ceramista Shoko Suzuki, que na década de 60 deixou o seu país de origem, Japão, para começar aqui uma nova vida. Ela trouxe na bagagem algumas ferramentas, como o torno manual e as técnicas com as quais iniciou a sua pesquisa com as matérias-primas brasileiras. Aos 93 anos sente-se feliz com tudo que conseguiu realizar. Para Shoko, sua caminhada foi uma meditação. Ela sempre fala que nunca sonhou em ser famosa, pois a sua busca sempre foi uma resposta sobre o valor humano. Para entender essa afirmação, Shoko presenciou na sua terra natal as tragédias de uma guerra. A sua vida e Obra fala da grande mãe, que é a Terra. Em 2004 tornei-me aluna desta grande ceramista e mais tarde, fui nomeada sua discípula. No Brasil, temos também a cerâmica popular, que é tão importante quanto. Mestre Vitalino (1909 – 1963) foi um grande artesão da cerâmica que vivia em Caruaru-PE. Sua obra figurativa é um dos nossos principais nomes nesta modalidade. Há muitos outros e com certeza eu cometeria uma injustiça mencionando outros nomes. Prefiro destacar de uma maneira geral, que temos importantes nomes no cenário brasileiro que participaram da divulgação e valorização desta arte. Atualmente temos também as faculdades de artes visuais que incluem em sua grade, o ensino da cerâmica. E a partir daí estão surgindo muitas pesquisas e estudos que compõem teses de mestrado e doutorado.

Atualmente a cerâmica de alta temperatura está sendo muito apreciada e valorizada no Brasil e no mundo. Ao meu ver isto se deve ao reconhecimento do valor artístico de uma obra feita com argila. Muitos museus e galerias passaram a expor e vender verdadeiras obras de arte. Além disso, a cerâmica tem conquistado um espaço junto a grandes chefs da gastronomia. Os pratos de cerâmica, criados e produzidos um a um, são como molduras aos alimentos que são preparados e serão servidos como verdadeiras obras de um Chef. Acredito que há um resgate do fazer artesanal e que se realizado com maestria e envolvimento emocional e uma intencionalidade, o objeto pode tornar-se uma obra.

De onde vem inspiração para criar suas peças? A minha principal fonte de inspiração vem da natureza. Ao ver uma montanha, um rio, uma árvore, uma pedra, uma flor ou mesmo o céu, a lua, vou guardando imagens ou fazendo esboços, rabiscos e anotações. Ao iniciar a criação de uma peça, todas essas referências começam a tomar algum lugar na forma que vou criar. No processo de criação também abro um diálogo com as ideias, com a matéria e principalmente comigo mesma. Durante o fazer, deparo-me com muitos questionamentos, dificuldades e desafios. Aprendo muito em cada etapa do meu trabalho. As dúvidas são respondidas somente no final, quando a peça recebe a última queima. 9. Aos que querem trilhar neste universo da cerâmica posso aconselhar que tenham muita persistência. Os resultados desejados não surgem da noite para o dia. Muitas vezes criamos altas expectativas e a cerâmica passa por muitas etapas até a sua finalização. Nesta arte nos deparamos com muitas frustrações e surpresas, nem sempre muito boas. E é exatamente isso que torna a cerâmica uma arte instigante. Não trabalho com muito rigor técnico, mas com a intuição e muita prática. A obra não surge do nada. Nascerá somente após um bom trajeto percorrido e também a partir de muitos diálogos consigo mesmo, com as matérias e com os outros. É preciso entender que o percurso é bem longo e exige muita coragem e vontade de aprender sempre. Costumo dizer que as possibilidades são infinitas e todos os dias temos algo novo para pesquisar e experimentar.

Para saber mais:

https://www.atelierterrabela.com/

https://www.instagram.com/atelierterrabela/