Um brasileiro com um coração muito forte português. Com raízes portuguesas. Isso define bem o ator Paulo Rocha, que em breve, após 10 anos morando no Brasil, voltará à atual em seu país. Mesmo sem gravar, Paulo por acaso do destino, – sob efeito da pandemia -, está no ar em três novelas que estão sendo reprisadas na rede Globo. Vivendo vilão em “Novo Mundo” e “Totalmente Demais’ e um bom moço em “Fina Estampa”. Por sinal, sua primeira novela aqui no Brasil. Paulo é um homem tranquilo, focado no trabalho e na família. E em dedicação total ao pequeno José Francisco, seu filho de dois anos. Antes de partir para Portugal, a MENSCH conversou com Paulo para saber dos planos por lá e para sua volta. E para ilustrar, belas fotos feitas via facetime.
Paulo, e por acaso do destino você emplacou as três principais novelas da Globo com a reprises. E com três personagens bem distintos e com desafios bem diferentes. Tem se visto? Não tenho visto tanto quanto gostaria, até por que por conta do horário, e do tempo que tomaria do meu dia a assistir todas as novelas seria difícil. Até por que são próximas do horário de José Francisco. Mas sempre que posso eu gosto de ver, agora com algum distanciamento, analisar de uma forma mais leve o resultado final.
Do vilão Dino, em “Totalmente Demais”, ao bonzinho Guaracy em “Fina Estampa”. Como é o processo de criação de personagens com personalidades tão distintas? Eu tento sempre analisar meus personagens de uma perspectiva humana. Perceber onde eles estão inseridos, perceber como isso se reflete nas ações e como eu acho que cada um de nós, ser humano é diferente entre si. Mesmo que seja criado do lado de outra pessoa. A gente tem caso em que irmãos gêmeos são completamente diferentes no seu pensamento, na sua perspectiva de mundo. Então, acho que é só tentar analisar nas ações, na envolvência, e atuar as ações que esses personagens tem. Independente de julgamento moral que você possa fazer sobre eles. Entende? Acho que nós como atores somos contratados para executar ações. E então, eu acho que o mais importante é a gente se concentrar naquilo, independente da gente concordar ou não, das ações dos personagens, a gente tem que buscas justificativas, que seja através do estudo, para tornar essas ações sem ter a crítica moral, que nós deveríamos ter enquanto seres humanos entende?!
Tem algo que prefira, mocinho ou vilão? Eu acho que tem uma pulsão por fazer os vilões que… É aquelas normas como seres humanos, para viver em sociedade, nós vamos nos confinando, nós vamos nos castrando, vamos obedecendo uma série de regras que nos permitem uma convivência em harmonia Por isso que temos as leis, por isso nós temos toda uma estrutura de sociedade que pode ser mais ou menos castradora, mais ou menos impositiva e tirânica, mas esse é o preço que a gente paga por viver em sociedade. Eu acho que de alguma forma, essas pulsões para reações mais barbáricas ela suprimida por isso né? Essa vontade de viver em sociedade. Eu acho que a pulsão de fazer o vilão, eu acho que passa nós podermos perpetrar ações sem pagar o preço por elas, ou simular fazer essas ações. Então talvez por aí o vilão tenha uma pulsão visceral maior, por conta que ela é mais ligada pulsão fisiológica, do que propriamente atuar em um conjunto de regras que nos são impostas racionalmente.
De Guaracy, seu primeiro trabalho na TV, até Felício de Souza, em “Éramos Seis”, seu mais recente papel na TV, muita coisa aconteceu. Como avalia sua trajetória até aqui? O que mais marcou nisso tudo? O Guaracy foi meu primeiro trabalho aqui na Globo, na verdade eu já vim de Portugal com umas 11 novelas, peças de teatro, mas enfim… É com grande satisfação por que foi um processo evolutivo meu, eu acho que eu sou um ator mais consciente do meu ofício do que eu era, até mesmo de quando eu cheguei no Rio. Eu reconheço outras ferramentas que eu não tinha, um a percepção de outra linguagem, da linguagem do audiovisual que eu não tinha, até mesmo por toda a minha herança teatral, minha formação. Houve um período de adaptação empírico com a linguagem audiovisual, com a vinda pra Globo e toda a experiência que eu tive com novos diretores, novos colegas, pessoas que eu procurei para estudar. Agora eu tenho uma percepção da linguagem, um conhecimento que me permite ter ferramentas que tornam o ator mais robusto do que eu era quando cheguei. Isso pra mim é muito gratificante. O que mais me marcou… Não tenho um momento específico. Eu acho que me marcou foi quando parei um pouco para fazer essa avaliação desse ciclo. É por que a vida né, a vida ainda mais na última década, se tornou muito ágil. O processo refletivo ele acontece, mas ele é tomado pelo dia a dia. Então acho que foi aqui, quando se faz uma avaliação. Esse momento de pandemia foi muito importante pra gente ser de alguma forma ser obrigado a fazer umas pausas na vida, refletir, a perceber sobre nosso trajeto, sobre uma série de coisas. Não só individuais, mas como seres humanos e sociedade.
Recentemente foi divulgado que por conta da suspensão dos trabalhos aqui na Globo você voltará para Portugal gravar uma novela por lá. Foi uma decisão difícil? O que essa volta às origens está te trazendo? Não foi uma decisão difícil. Tem alguns anos, desde o nascimento do José Francisco que a gente, eu e a minha família, nós gostaríamos de passar um tempo em Portugal. Até por que ele está crescendo e eu gostaria que ele tivesse com o avô, e também tem quase uma década, desde quando sai pra fazer “Fina Estampa” que eu não voltei a Portugal, não tive oportunidade pelas mais variadas razões. E felizmente por um motivo infelizmente, o projeto que a gente ia começar a fazer aqui na Globo foi postergado até final de fevereiro e início de março, o que abriu esse gap temporal que me permitiu assumir um compromisso lá em Portugal. Que está me trazendo uma felicidade, uma curiosidade de perceber, voltar a uma indústria que eu deixei há dez anos atrás. Voltar a viver meu dia a dia, por que férias é uma coisa, mas viver meu dia a dia numa sociedade que nos últimos dez anos mudou bastante, por todas as razões, e agora acresce não só a mudança em si, indo da última década, mas esse dado novo da pandemia, do covid 19. Então muita curiosidade, muita expectativa.
Seu vínculo com a Globo e o laço com o Brasil continuam ou pensam rever tudo isso? Meu vínculo com a Globo e com o Brasil, ele vai continuar, na verdade a minha existência, a minha e da minha família, ela passa pelo Brasil. Eu estarei indo para Portugal e estarei de volta final de fevereiro a trabalhar na próxima novela na Globo. Então, por enquanto essa é a minha ideia. Não sei como será daqui a quatro ou cinco anos, mas agora passa por aqui, um país onde eu me sinto feliz, onde eu constitui a minha família, onde eu tenho meu mercado de trabalho que me acarinha muito e onde reconhecem a minha qualidade, meu empenho. Então tá tudo ótimo.
Você começou pelo teatro de Cascais em 1994, correto? Mas quando percebeu que era como ator que você realizava profissionalmente? Ou existia um plano B? Eu acho que nunca coloquei a possibilidade de ser outra coisa que não ser ator. Quando surgiu o momento de eu refletir sobre o que eu gostaria de fazer, essa opção se apresentou naturalmente, não teve um processo refletivo eu entrei na escola em Cascais, eu comecei a trabalhar como ator. Então nunca existiu um plano B.
Você se mudou para o Brasil em 2011, e fez sua estreia em horário nobre. Como foi essa mudança no início? Teve um ligeiro período de adaptação por que, aqui o processo é tudo mais rápido a novela estreou e três dias depois eu já sentia a reação das pessoas na rua, felizmente era simpático por que o personagem também era um personagem bastante alinhado com as regras, as características que faz uma pessoa agradável de se conviver socialmente. Toda empatia que o Guaracy tem com as pessoas, a bondade, a resiliência, enfim…
E o que além do trabalho te fez querer ficar? Foi o carinho, foi eu me sentir muito bem. Eu nunca tinha vindo ao Brasil, nem de férias. Eu tinha vindo só uma vez já em função da Globo, pra conhecer o Projac, então até os 33 anos eu ainda não tinha conhecido o Brasil e eu fui muito acarinhado. Eu encontrei vários amigos. E eu fiquei um ano seguindo. Então um ano sem você voltar ao seu país, um ano é muito tempo quando você vive de uma forma intensa, as relações por conta do tempo que você passa gravando, por conta das pessoas com quem você se envolve. Então você cria laços muito fortes e eu conhecia a Juliana logo quando eu cheguei. Esse conjunto de fatores fizeram com que eu quisesse ficar, e claro, o convite da Globo para que eu ficasse com um contrato longo.
No Brasil você criou raízes, casou e teve filho. Era algo que você esperava ou foi sendo pego de surpresa e quando viu sua vida mudou totalmente? Eu fui pego de surpresa, por quando eu vim para o Brasil fazer “Fina Estampa”, tudo o que eu queria era fazer o meu trabalho. O melhor possível. Ter um bom desempenho e voltar para Portugal, voltar para meu país. Não vim com o planejamento de ficar muito tempo além desse. Foi uma mudança radical, então foi um pouquinho pego de surpresa.
Português com coração brasileiro? O que te fascina no Brasil? Eu acho que eu falaria até brasileiro com um coração muito forte português. Com raízes portuguesas. Pra mim o Brasil é a humanidade na sua maior potência, no bom e no mal. O que me fascina é que parece que o Brasil é um país onde tudo converge para que a gente tenha uma percepção total do que é a humanidade. Você vê de pessoas absolutamente incríveis, outras preocupadas com o bem estar do outro, como você vê pessoas que não tem o menor cuidado. Mas uma coisa que é incrível é a potência e a resiliência do povo brasileiro, a capacidade que a gente tem de passar, de sobreviver às situações mais difíceis e voltar e ter algum pensamento positivo perante o mundo. E pra não falar de fisicamente, como é belo o nosso país.
Fama, mídia e fãs. Como você, que sempre foi muito discreto, lida com tudo isso? Eu tento de alguma forma preservar aquilo que eu acho que é meu, e que eu acho que é aquilo menos interessante pra mostrar para a sociedade. Eu acho que a minha vida pessoal, a minha vida familiar, a minha intimidade afetiva, acho que é aquilo de menos interessante e valioso da perspectiva daquilo que eu posso mostrar para o público. Acho que meu trabalho, a forma de eu me expressar para o mundo, talvez seja o mais importante. A forma como eu tento ligar é reconhecendo como algo incontornável, como algo que tem coisas boas que permite, se você for bem intencionado, melhorar a vida das pessoas. No caso da fama. A mídia também que te permite isso. Os fãs no fundo são as pessoas para quem a gente trabalha, então eu tento criar esse balanço entre o reconhecimento como uma ferramenta bastante importante se você pretende fazer o bem, ajudar.
Estamos no final de semana dos Dia dos Pais, como é Paulo Rocha como paizão? O que tem aprendido? Talvez a pessoa que possa responde melhor isso seja minha mulher e o Zé Francisco (risos). A gente muda né? Antes do meu filho nascer eu ficava preocupado como ia ser, se serei um bom pai, será que eu vou me adaptar. A natureza é muito mais sábia que qualquer racionalismo nosso. Há coisas que se passam num nível mais sensorial e fisiológico mesmo. E as mudanças se operam em você sem que você tenha um domínio racional. Tenho aprendido a ser bastante mais paciente. Mas é um processo complexo criar um pequeno ser. Prepará-lo para ele viver em sociedade, ser bem recebido, pra que ele depois possa ter uma vida autônoma e ser feliz. E acarinhado pelos seus pais, que isso é o mais importante que eu acho. Que é a função dos pais.
Que ensinamentos você traz que deseja passar para seu filho? Eu acho que é importante a autodisciplina, e eu já reconheço isso de alguma forma no Zé Francisco. Eu espero conseguir de alguma forma, sem ensinamentos específicos que possam ser nomeados, no fundo é aquilo que eu falei um pouco antes. Preparar o Zé Francisco com ferramentas e com comportamentos para que ele possa ter uma vida feliz em sociedade. Que seja uma pessoa que os colegas gostem de ter por perto, por que no fundo somos animais sociais e no fundo isso que transforma nossa vida.
O fato de ser filho adotivo em algum momento na sua vida chegou a ser algo que gerasse algum drama? Fui eu que adotei meu pai. Ele era meu professor na escola de teatro, foi uma pessoa por quem eu sentia uma afinidade, um carinho muito grande logo do início. Fui eu que o adorei. Fui eu que perguntei se poderia chamar ele de pai. Por que ele despertava em mim esse sentimento. Então não teve qualquer espécie de drama e a gente nem usa esse rótulo de filho adotivo, até por que não existe nenhum papel que diga que eu seja filho do meu pai. A gente simplesmente se ama desse jeito.
Como tem sido esse momento de isolamento social para você? Qual o ônus e o “bônus” disso tudo para você? O ônus é claramente assistir todo esse sofrimento que se desenrola à nossa volta. Ficar privado de poder estar com as pessoas, de poder trabalhar, poder de estar mais perto dos meus amigos. Enfim, de uma perspectiva mais pessoal, mas de uma perspectiva abrangente e social, ver todo o sofrimento e assistir tudo com uma impotência, e ter esse reconhecimento do quão pequeno, frágil que nós somos. À pesar de alguma forma termos a arrogância de pensar que somos o centro do mundo. Quando na verdade somos apenas mais uma espécie que está nesse mundo, e com uma responsabilidade de podemos ter as escolhas sobre nossas ações. Elas não serem governadas por uma pulsão animal. E como tal, o reconhecer nossa limitação acho que foi bastante importante. O bônus de tudo isso, foi a possibilidade de ao mesmo tempo de não estar com meus amigos, estar muito mais próximo do meu núcleo familiar. A minha mulher, o meu filho, poder ficar com eles 24 horas por dia, que era algo que na vida normal era impraticável. Então isso pra mim foi o mais importante. E também, o bônus foi ver que a pesar da gente ser confrontado com nossa fragilidade, eu também fui confrontado com nossa capacidade seres humanos temos quando necessário, pena que a gente não exerça isso no dia a dia só em situações de dificuldade, situações de limite, mas foi muito gratificante pra mim ver esse apoio. Que as pessoas tiveram entre si. Esse buscar dar as mãos e se unirem para melhorar uma situação que não estava tão boa.
A vaidade te toca mais como homem ou como ator? Quando percebe isso? Olha, eu não sei quantificar, eu sei que pra mim a vaidade artística quando eu faço um trabalho e ele é reconhecido pela sua qualidade, ele me deixa muito envaidecido. Ela me deixa muito feliz. A minha vaidade enquanto pessoa ela fica um pouco relegada para segundo plano, eu tenho muita vaidade em poder alterar e poder colocar meu corpo, que é minha ferramenta de trabalho, à serviço da minha profissão. Claro que eu gosto de me sentir saudável, gosto de me sentir de ter uma boa saúde e procurar fazer o máximo possível por isso. Mas eu acho que a minha vaidade mesmo é poder ter, eu e meu corpo disponível para servir a minha profissão. Eu não sou indiferente ao reconhecimento pelo meu trabalho. Me deixa particularmente muito feliz. Até por que eu sou um pouco exigente comigo, acho sempre que aquilo que eu faço, se for bom não fiz mais que meu dever. E se não for muito eu tenho que voltar a perceber o que não deu certo para fazer melhor da próxima vez.
Falando em vaidade, como mantém a boa forma? Especialmente em período de quarentena onde se relaxou mais? Eu normalmente eu faço treino de boxe, que eu gosto muito. Eu durante a quarentena continuo praticando o jejum intermitente, então, à pesar de não fazer tanto exercício físico como faria, como fazia antes da pandemia, eu tentei compensar isso com uma alimentação melhor e o jejum intermitente.
O que te coloca um sorriso no rosto e o que te tira do sério? Várias coisas, a felicidade da minha família, sobretudo o sorriso do meu filho, olhar pra ele e ver como ele sorrir inocentemente para a vida. Essa paz, essa leveza, é algo muito bonito de se assistir. Tem um conjunto de outras coisas, mas o primeiro é isso. Tem várias coisas que me tiram do sério, mas às vezes nossa falta de empatia com o outro, o nosso egoísmo, a falta de percepção de que nós não precisamos ser tão maus uns com os outros para nos darmos bem. Não precisamos ser tão egoístas. Acho que essa falta de enxergar o outro como ser humano, está no centro das coisas que me tiram do sério.
Chegando em Portugal o que mais deseja rever ou fazer (fora a família e amigos)? Algo que só lá você tem. São os lugares, onde me vi crescer, lugares onde tenho memórias. Eu gosto de passar por esses lugares, rever, refrescar, reavivar essas memórias. Seja indo a um restaurante, seja indo ver uma paisagem, um monumento histórico. Então eu acho que passar por aí, coisas que eu só tenho lá, são coisas que eu só vivi lá. Que estão ligadas a espaços físicos. Então acho que é isso.
Gostaria de agradecer. As perguntas foram muito boas, espero que as respostas tenham sido do agrado. Um beijo enorme e muito obrigado.
Fotos Guilherme Lima
Produção Samantha Szczerb
Agradecimento Amil Confecções, King & Joe, Mazzini