HORIZONTE: Os sabores do Pará – Uma viagem gastronômica muito além da maniçoba

Por Andrea Hunka / Fotos Flávio Contente

De sua capital, Belém, cidade das Mangueiras, cidade Morena, do ciclo da Borracha, terra do Rio Guamá, terra de muitos povos, entre eles, os povos Tupinambás, Paris das Américas. Muitas são as denominações da cidade que um dia teve seus domínios lusos, portugueses e tantas raças que aqui fincaram os pés. Já foi chamada Feliz Lusitânia, Santa Maria do Grão Pará. Muitas histórias permearam esse solo, conquistas, perdas, explorações, categorias que foram elevadas, e ainda tem em sua áurea, esse apogeu – a Índia das Américas.

De fato, Belém tem em suas margens e entrecortes todas essas manifestações. De sua arquitetura opulenta dos domínios e ciclos, de sua riqueza banhada pela proximidade da foz amazônica, de seus rios que a enobrece, o mercado que traduz o mais belo acervo de sua cultura, como seus múltiplos emblemas e rastros de miscigenação, Pará nas cidades que se seguem e na sua vasta região insular abre porta para uma história de redescobertas que há muito vem sendo explorada. De sua vegetação plural e variedade aquática, das terras do Rio Maguari, da cidade de Bragança da Marujada, do Santo Preto, Santo Benedito, da nossa Senhora de Nazaré, santa que abençoa esse povo forte das lutas, como a autêntica, revolta dos Cabanos.

 

Belém, Pará tramita e tem sabor de magia. De um canto a outro os temperos e essências nos remete a um feitiço de brasilidade, de danças e mãos ágeis, numa tríade perfeita das três raças dominantes, o carimbó, suje nessa busca representativa. Dos insumos e variedades diversas, dos usos e feitos, tanto quando ao país, o destaque aqui é que nesse lado do Brasil, a comida tem uma marca forte, um registro latente, o seu povo sabe falar de seus preparos, comem, admiram. Suas raízes estão acessas, e nos convida a um desejo de participar e entrar nesse universo.

Maniçoba, Tambaqui, Tacacá, Pato no Tucupi, Açaí, Jambu e milhares de variedades se entremeiam, numa imensa harmonia entre os voos que as garças alçam nos céus que em certa hora tomam uma cor acinzentada da chuva que todo o dia chega no horizonte.

A vida nessas bandas tem a cadência das marolas do rio, os barcos de tons e tamanhos diversos, seus homens que se confundem com as passagens do tempo e os goles de batida de caju-açu, que lembram os lados de Abaeté, a música tem ritmo sensual, onde a sensação é latente e pulsa na velocidade da riqueza aquática que habitam nesse ecossistema. Os cheiros são uma imensidão, e mesmo, o pitiú, odor forte de peixe, traz uma sensação de frescor, única que condensa as barcaças e a vida controlada pelas águas. Belém, e seus arredores tem essa identidade, esse legado forte que estar na pele, nas expressões, na fisionomia que traz traços tão marcantes dos nativos de tantas tribos que aqui, estão resistindo ao irresistível contexto mercantil.

 

As senhoras que banham suas ânsias, suas mãos que tramam nas panelas cheias de temperos com os tacacás, os tambaquins, maniçobas, tucunarés, filhotes e pirarucus, são as mesmas que esfregam incansavelmente as poucas e parcas roupas suas, mas de seus lábios a cada movimento de exaustão soam melodias suaves e que rebuscam um encontro sagrado de uma cidade que ao fundo se mira. As aningas, plantas aquáticas, que beiram a aproximação oceânica que contornam os furos regiões insular.  Os açaís gritam e explodem com sua cachadas trazendo cultura e alimento ao povo. Os matapis, cesto de pescas, que ficam submersos nas águas de tons esverdeados que prometem uma excelente festança de camarão. Nessa região a fome ainda é distante, a vida é tão frondosa como a Mamorana (árvore amazônica) que vive submersa no rio, como uma simbiose entre ela e o caboclo, sente-se que aqui o tempo tem uma pausa, e tudo anda na trepidação dos motores a diesel, único fator que nos lembra da cidade grande e suas faces de destruição…

DIANTE DE TANTA RIQUEZA E BELEZA BELÉM DORME E AMANHECE INSÓLITA, LINDA EM DEGRADES E TONS

Entre igarapés e uma vegetação onde a rainha é a Samaumeira, árvore sagrada, os pés de cacau fazem festa, e numa casa fincada na beira das águas, o cheiro nos permite brincar com os sentidos mais doces da infância, chocolate triturado numa bancada com o moedor de ferro, formam-se em nibs, pó e doce em 100 a 70 por cento de cacau, uma maravilha amazônica. Vale a pena conhecer dona Nena, cuidadora dessa diversidade, mulher guerreira que trouxe de sua infância a braveza da natureza nativa.

Das mãos de tantos que nas ilhas, nas cidades condensam essas sensações, Belém dos homens e mulheres que se embalam no pavulagem, tramam suspiros e rotas que se miram em texturas e sabores únicos. Pará, dos caiçaras, povo curtido em em diversidade e belezas infinitas, que a priprioca, ervas sem fim, além de um visual que nos remetem a nobreza terrena.

Das lendas do Muiraquitã, batráquios (sapos) que eram confeccionamos em jade pelas belas nativas  nos leitos do Rios amazônicos, que colocavam nos pescoços dos seus guerreiros para sorte levar em suas aventuras, as mururés, plantas aquáticas que banham os Rios, das construções coloniais com traços europeus e opulência do ciclo da borracha, dos telhados vermelhos das casas seculares, e das muitas riquezas que brilham jazido em tons lilás (ametista, nova descoberta) em tempos atuais, Pará, através de sua capital,  traz muitos caminhos e rotas.

 

E entre mais de cinco rotas, Pará se estende na fé e na missão de seu povo, do Círio de Nazaré,  procissão que movimenta uma multidão, onde há uma congregação em fervor a Nossa Senhora, a seus bravos homens e valorosas mulheres que em Bragança, na Vila do Castelo, no dia de São Pedro, reúnem-se em diversos embarcações e vão em busca da imagem do santo, a contemplar com suas barcas cheias de bolas coloridas e a agradecer mais um ano, mar a dentro, lançam suas rezas, a fartura vinda das águas que fazem desse estado, um pleito de variedades alimentares. Pará de D. Heloísa que em sua cozinha nos recepciona, com sua gentileza abre e convida a um banquete, um bandeirado na brasa e covinas fritas, peixes da região, acompanhado com Chibé, preparo indígena feito com água e farinha, feito pelas mãos habilidosas de Liliane, filha de um líder dos pescadores aposentado, seu Castro e enteada de D. Heloísa. Arroz entra como mais um complemento, mas a felicidade de se comer nessa mesa caiçara, mostra de fato o autêntico sabor do Pará.

Falar do Pará, de Belém tem essa sensação de um texto sem fim, onde a cada possível ponto, sempre virá uma vírgula, um nova e infinita permissão de vivência e emoção, Pará é para se sentir, se tem cheiro, tem tato, tem calor que emana, não só de seu aspecto climático, mas principalmente de seu povo e dá sensação de quem lá pisou chamais sairá de lá. Viva o Pará.

Horizonte é uma trilha, um caminho em meios diversos, onde o foco e mostrar os redutos mais adversos sobre uma ótica alimentar de raiz, de verdade e histórias, onde teremos contextos urbanos e rurais, mas todos serão pontuados, na possibilidade tenaz da boa e surpreendente visão dessa biodiversidade humana.

 

FICHA TÉCNICA
Idealização e texto – Andrea Hunka 
Coordenadora – Ângela Sicília 
Produtora – Foco Filmes & Fotos
Colaborador no Pará – Flavio Contente (Fotógrafo/Videomaker)
Chefs correspondentes – Andrea Hunka, Alberto Bernardini, 
Angela Sicília, Joyce Francisco, Geo Bassani e Geovana Nacarato