ENTREVISTA: Bruno Fagundes, talento como herança genética

Filho de peixe(s), peixinho é! Não foi diferente com o ator Bruno Fagundes, filho dos atores Antônio Fagundes e Mara Carvalho, Bruno foi aos poucos criando sua própria história e hoje é um artista mais que completo. Atua, toca piado e canta. Bruno não nega as raízes (e a disciplina) que tem. E seu talento ultrapassou as fronteiras com sua participação na série americana “Sense8”. Além do teatro, Bruno também está marcando presença da 3ª temporada da série “3%”. “Fazer uma série totalmente brasileira que é maratonada por milhões de pessoas em 190 países, traduzida para 74 línguas – e que abriu precedente para a Netflix produzir cada vez mais ao redor do mundo – é sensacional”, comentou Bruno.

Bruno, você começou a atuar com a peça “Gente que Faz”, aos 16 anos, e de lá pra cá não parou mais. O que te estimula nisso tudo? Sou viciado no que faço. Meu estímulo está no desafio e na jornada de criar meu nome dentro da minha profissão. Não tem descanso. Não consigo parar.

Esse início foi algo instintivo ou teve alguma influência natural em casa? Claro que nossos pais alimentam nosso arsenal de referências e durante muitos anos agem como nossa porta para o mundo, direcionando nosso olhar. Acompanhei de muito perto a carreira dos dois e isso, com certeza me modificou. Mas na hora de decidir minha profissão, meus pais já ficaram em segundo plano e segui minha intuição e vocação. Sempre soube que seria, de alguma forma, artista. É parte constituinte do meu ser.

Você já fez algumas aparições na TV, mas é no teatro que você tem tomado conta. Isso foi uma escolha ou algo que foi surgindo? Escolhi o teatro como base da minha formação e pilar da minha carreira. Foi uma escolha muito consciente e estratégica. Para mim, é lá onde um ator ousa e cria aprofundamento e aprendizado. E sinto que o teatro me escolheu de volta. Nunca nos abandonamos e devo tudo o que sei (se sei alguma coisa – risos) aos palcos.

Seu pai é uma ícone da TV brasileira. Já se espelhou nele? Isso já ajudou ou te atrapalhou em algum momento? Não ajuda, nem atrapalha. Ser ator não é para os fracos e, definitivamente, não é pra qualquer um. Meu precedente não muda em nada minha forma de enxergar minha profissão e de buscar o aprendizado constante.

Aquela pergunta básica para todo filho de pais muito famosos… Se sente cobrado (mesmo que indiretamente) por ser filho de Antônio Fagundes e Mara Carvalho? Se sim, a cobrança vem mais de fora ou de você? Não. Cobrança nenhuma. Eu sinto, sim, um certo preconceito: as pessoas reduzem meu talento e dedicação a um fator que denominam ser genético. E isso é uma mentira. Genes não garantem nada sem trabalho duro, rigor e luta constante. Não existe caminho fácil. Isso é muito pessoal, mas para mim, nunca foi uma opção. E não pode existir comparação entre nosso trabalho, isso é injusto e quase burro. Somos atores diferentes, vivendo a mesma profissão com oportunidades e mercados radicalmente diferentes. Isso elimina qualquer possibilidade de comparação.

Como é a experiência de atuar ao lado do seu pai. Alguma emoção especial? Muito bom! Somos amigos, colegas de profissão e família. Tem algo melhor?

Depois de uma experiência em novela (“Meu Pedacinho de Chão”) não satisfatória você comentou que seu terreno é o teatro. Por que foi dolorido na TV e por que o teatro te faz se sentir melhor? Qualquer fase de adaptação e mudanças gera alguma dor. Mas não aquela dor amargurada, uma dor de crescimento, a dor que pavimenta a maturidade e estrada para os próximos anos. Eu fui criado como ator no teatro e a TV tem um ritmo e um mecanismo muito próprios. Isso gerou em mim um certo estranhamento, no começo. Toda a pressão da mídia em relação à eu estar em uma novela da Globo, toda a exposição que isso gerou foi algo que precisei me adaptar. Mas logo depois passou e conclui a novela com muita felicidade. Mas, como disse anteriormente, o teatro me possibilitou alçar voos muito altos e nunca me abandonou. Não posso ignorar isso (risos).

Pretende voltar em uma novela na TV? Espera um bom papel ou não é algo que seja foco agora? Estou completamente aberto para o que surgir.

Alguns atores já desabafaram que já perderam trabalho por não ter muitos seguidores. Isso realmente já aconteceu com você? Como lidar com isso? Isso está mais comum do que as pessoas imaginam. Aconteceu comigo sim e com muitos colegas meus. Nosso mercado determinou algumas balizas para “o que é fazer sucesso” e ultimamente o instagram virou uma delas. Não vejo nada de mau nisso – adoro e alimento meu instagram com prazer – só acho que não deva ser SÓ isso. Mas o mesmo mercado que fez essa escolha, já está começando a perceber que ter muitos seguidores e ser digital influencer não basta, quando o que se precisa é contar uma história. Então continuamos persistindo. Tenho muito mais a oferecer do que uma foto bonita.

Falando em agora… você estava, ou está, em cartaz com dois espetáculos? Como é isso? Ano passado foi um ano intenso e muito frutífero. Fiz duas peças, simultaneamente, de quinta a domingo, durante 10 meses. Nas minhas folgas, encaixei dois longas, um curta, uma publicidade e a segunda temporada da série 3%. Não tinha tempo para respirar e conheci o ônus de uma quase estafa. Foi uma jornada insana e percebi que tenho uma resistência que até então não conhecia. Foi muito importante. E o pior de tudo, percebi que fiquei mais viciado ainda! (risos)

Você também atua como produtor teatral procurando fazer um trabalho diferenciado. Que novos desafios isso te traz? Se sente realizando e realizado? Muito! Me sinto realizado à medida que os trabalhos saem do campo das ideias e assim, crio oportunidade para mim e para muitas outras pessoas. Produzir me permitiu parar apenas quando eu quiser e assim, não depender da boa vontade de alguém para exercer meu trabalho. Nasceu de uma necessidade e me trouxe muitas coisas maravilhosas. Agora, os desafios são muitos. Inimagináveis (risos). Só quem já tentou produzir sabe o quanto é desgastante, mas quando dá certo é a melhor coisa do mundo.

O público brasileiro está indo mais ao teatro? O que ainda falta? Falta muito. Muito mesmo. Principalmente na área da educação. É aí que nasce o problema. Se tivéssemos, desde cedo, uma educação que preservasse e entendesse a importância da cultura, viveríamos num país diferente. Na Inglaterra, teatro é política de Estado. É tão importante quanto as implicações de uma guerra. E sinto que o brasileiro está cada vez mais afastado do teatro. Temo muito pelo nosso futuro. Uma pesquisa recente diz que o brasileiro frequentador vai apenas uma vez ao ano. Isso é muito preocupante. Mas não desistiremos nunca.

Como é a relação entre você e seu pai (como atores e como pai e filho)? Maravilhosa!

Suas habilidades artísticas ainda pairam sobre o canto e o piano. Como a música entrou na sua vida e como você tem desfrutado disso? A música me formou como ser humano. Ouvia Mozart aos 3 anos de idade sozinho trancado dentro do meu quarto. Sou muito musical. Foi assim que cheguei ao piano, aos sete anos de idade. E estudei constantemente até meus 15. Depois parei de estudar, mas nunca me afastei. O canto veio como parte complementar e amo exercitar tudo isso. Tenho muito o que aprender mas vivo em contato com esse lado, que é muito importante para mim. Quem me conhece sabe que eu canto o tempo todo. (risos).

Atualmente nas gravações de mais uma temporada da série “3%”, como foi e está sendo participar desse trabalho? Como surgiu o convite? Não houve convite. Fiz uma bateria de quatro testes e fui sendo aprovado, como qualquer outro trabalho meu. Tem sido uma experiência maravilhosa. Fazer uma série totalmente brasileira que é maratonada por milhões de pessoas em 190 países, traduzida para 74 línguas – e que abriu precedente para a Netflix produzir cada vez mais ao redor do mundo – é sensacional. Tenho orgulho em fazer parte da família 3% e a terceira temporada está de tirar o fôlego. Tipo aquelas séries que você grita no final dos episódios e corre pra ver o próximo. Não vejo a hora de lançar.

E sua passagem por outra série, “Sense8”, terminou sendo “polêmica” por conta de um beijo em outro homem. Como isso repercutiu em você? Outra experiência sensacional. Só de estar envolvido com aqueles profissionais foi motivo de muita gratidão. A Lana Wachowski é uma entidade cinematográfica. E me tratou com muito carinho e respeito. Não acho que a cena foi polêmica, era apenas uma cena de beijo entre duas pessoas. E como ator, fui lá fazer meu trabalho.

Você é ligado em séries? Quais prefere e que estilo? Sou seriemaníaco. Adoro muitas. Preferencialmente, de estilo variados. The OA , Stranger Things, Orange is The New Black, Glow, Good Girls, Black Mirror, the Crown, Daredevil, Unbreakable Kimmy Schmidt, Dear White People… e muitas outras.

Teatro, cinema, TV, produção, música… até onde você pretende ir mais? Onde meus passos me levarem. O céu não é o limite. É só o começo.

Fotos André Giorgi