
Por Marcia Dornelles
Em um café silencioso no Rio de Janeiro, Christiane Monnerat segura a xícara como quem segura também a própria história. O olhar é firme, mas não perde a ironia de quem aprendeu a rir até das dores mais improváveis. Entre processos, inquéritos e boletins de ocorrência, ela sempre soube que o Direito não era apenas um ofício — era palco, arena e, muitas vezes, trincheira. Agora, transforma décadas de vivência na promoção em literatura com o lançamento de seu primeiro livro, Crime e Latido, uma estreia que atravessa fronteiras e derruba cercas entre a justiça e a arte.
Reconhecida nacionalmente por sua atuação firme e incansável à frente da 19ª Promotoria de Justiça do Rio de Janeiro, Christiane não é apenas uma defensora dos direitos dos animais, mas também uma escritora visceral, que encontra na palavra escrita um espaço para expor contradições, absurdos e tragédias do cotidiano forense. Sua obra é marcada por um estilo único, atravessado por ironia mordaz e sensibilidade rara, ecoando a influência de seus autores favoritos — entre eles, o mestre russo Dostoiévski, cuja profundidade psicológica e humanismo brutal reverberam em cada página e cujo clássico Crime e Castigo inspira, em chave paródica, o título Crime e Latido, reinterpretado com humor ácido e uma lente peculiar para o universo jurídico-animal.

Mais do que um livro de memórias ou relatos jurídicos, trata-se de uma tragicomédia humano-jurídica que desnuda o sistema de justiça com mordacidade, revelando personagens que beiram o surreal e cenas dignas de uma série satírica. Em sua escrita, Christiane transforma boletins de ocorrência em crônicas poéticas, inquéritos em narrativas transmitidas de emoção e laudos em metáforas vivas. O livro é uma ode à coragem — a da mulher que, mesmo diante de uma doença rara e grave, não recua em sua luta por justiça e pelo respeito à vida. E, como ela mesma revela no prefácio, essa luta também é profundamente pessoal:
“Sou portadora de uma enfermidade rara e grave denominada Doença de Ormond. Sinto-me gabaritada a palpitar em qualquer questionário de satisfação de hospital na Cidade do Rio de Janeiro. Estive em todos eles. Apenas para exemplificar, no Hospital Samaritano, na Barra da Tijuca, onde virou quase meu endereço fiscal, permaneci por mais de dois meses e transformei o hospital em camarim, o plantão médico em palco alternativo e me reinventei a cada enfermeira que confundia meu nome ou meu prontuário. Adotei cães fictícios, gnomos da cura, rotinas intercaladas e permaneci fiel ao terço da Nossa Senhora da Rosa Mística. Sobrevivi à base de morfina, ironia, sarcasmo e um instinto teimoso e persistente de quem se recusa a sair de cena antes do aplauso final. indignação, letargia e soro na veia. Vi um cão ser morto por maus-tratos na televisão e, pela primeira vez, não pude fazer absolutamente nada — nem um inquérito, nem um RO, nem um post agressivo-passivo. Eu havia perdido a caneta e, com ela, a armadura.”

Com uma prosa que mistura a cruz do real com a delicadeza do literário, Christiane Monnerat entrega uma obra que, ao mesmo tempo em que denuncia, encanta e provoca. Seu texto é um convite à reflexão sobre o papel do jurista, o lugar do engajamento e a voz daqueles que, muitas vezes, são silenciados — especialmente os animais, cuja defesa é o coração pulsante de sua trajetória.
Este lançamento marca o encontro de duas paixões: o Direito e a Literatura, unidos pela força de uma mulher que não teme traduzir a dor e a luta em arte. Crime e Latido chega para reafirmar que o mundo jurídico também pode ser palco de uma literatura intensa, pungente e profundamente humana.
O resultado dessa jornada literária e pessoal, assim como bastidores e reflexões da autora, pode ser acompanhado no Instagram @literaturadosautos, onde Christiane Monnerat segue transformando justiça, vida e literatura em uma mesma e potente narrativa.


