PERFIL: GUILHERME GUERRA ENTRE RAÍZES E VINHEDOS

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DO LEGADO CENTENÁRIO DA ADVOCACIA À DISPOSIÇÃO PARA O NOVO, GUILHERME GUERRA ABRE CAMINHO PARA O CULTIVO DE RÓTULOS E SONHOS NO AGRESTE PERNAMBUCANO

Por Larissa Lins / Fotos Carlos Cajueiro

Há projetos que exigem um delicado equilíbrio entre imaginação e resiliência que nem todos os homens são capazes de encontrar: é preciso vislumbrá-los pelos olhos da fé para, somente mais tarde, vê-los realizados com os olhos da face. O advogado e empresário Guilherme Guerra sabe disso. No Agreste pernambucano, onde hoje cultiva as uvas que nos próximos anos serão transformadas em vinhos, tudo já foi uma aposta, um plano, um risco. Herdeiro de um sobrenome de tradição centenária na advocacia, convivendo com os papéis e compromissos de escritório desde os 12 anos de idade, Guerra poderia não ter se arriscado diante do novo. “Mas a decisão partiu de um sonho. E de uma paixão”, ele explica.

Não se considerando um especialista em vinhos, mas um apreciador que convive com outros apreciadores, o empresário alimentou por anos o desejo de construir um empreendimento imobiliário que tivesse uma vinícola como âncora. E algumas décadas de bons invernos entre familiares e amigos em Gravatá, município pernambucano situado a cerca de 80km da capital do estado, Recife, ajudaram a localizar seu desejo no mapa. “Gravatá está no Planalto da Borborema, um planalto maravilhoso, de belezas inúmeras, e tem sido a primeira opção de residência de campo dos pernambucanos”, descreve o empresário. “É um ponto de encontro entre quem vem da capital e de outras cidades do Agreste e do Sertão do estado”, complementa, apontando uma afinidade essencial entre a cidade e os vinhos, que considera elementos de integração. Foi preciso que o destino e um amigo em comum, em paralelo ao sonho, fizessem cruzar seu caminho com o do enólogo português Paulo Laureano, uma referência no Alentejo e um dos nomes mais requisitados no cenário global da enologia e da viticultura, em 2022, para que suas ideias ganhassem materialidade.

“O projeto imobiliário estava desenhado desde 2014, mas foi em 2023 que, na presença de Laureano e de representantes da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), escavamos o solo para entender se a vinícola que idealizamos era realmente viável”, conta Guilherme Guerra. A primeira escavação revelou argila – um mau sinal para o projeto. Mas as sete escavações seguintes mostraram pedras, permeabilidade, possibilidade de vida. “Esse dá!”, foram as primeiras palavras de Paulo Laureano, marcantes para Guerra, para os sócios que acompanharam a inspeção e para a equipe técnica da Embrapa. Era a confirmação de que sim, eles produziriam seus vinhos em Gravatá, unindo casas de alto padrão e produção vitivinícola em um novo empreendimento, o Vin Club. E a partir dela vieram os vinhedos experimentais, com oito variedades de uva testadas e observadas durante um ano. Sauvignon Blanc, Chardonnay, Merlot, Cabernet Franc, Touriga e Shiraz foram as uvas selecionadas, além da especial Alvarinho – uma casta branca nobre, típica do noroeste ibérico – com as primeiras garrafas chegando ao mercado entre 2027 e 2030.

Tomadas as decisões de sonhar, arriscar, plantar, esperar e colher, o improvável se concretizou, embora muitos amigos tenham desencorajado a empreitada. “Gravatá nunca deu vinho”, desacreditavam. Mas a disposição para o risco, a resiliência e a persistência, características de que Guerra se mune para atuar também na advocacia e no ramo imobiliário, não se dobraram aos conselhos temerosos. “Nunca me dei por vencido. Eu sabia que precisava ao menos tentar, sentia uma mistura de fé e convicção. Sempre acreditei que poderia dar certo”, lembra. “E agora estamos diante de uma conquista que merece ser inserida num contexto maior. Os produtores do Vale do São Francisco foram os verdadeiros pioneiros e pagaram o preço do pioneirismo. Sou muito grato a eles e aos amigos produtores de Garanhuns. Só estamos aqui porque eles abriram caminho”, reconhece.

O HOMEM POR TRÁS DO VISIONÁRIO

Para além dos vinhedos, há outros sonhos e territórios cultivados por Guilherme Guerra. A advocacia imobiliária, na qual se consolidou, ainda é sua base profissional. Não apenas pela tradição familiar, que atravessa mais de um século de história, mas pelo legado que vem semeando para o futuro. Comanda, ao lado do pai, Murilo, e dos sócios Tadeu Reis de Melo e Yuri Oliveira, o escritório Moraes Guerra Advocacia, fundado em 1906 por seu bisavô, o advogado Manoel Claro de Moraes Guerra. Lá, convive com a filha e também sócia, Beatriz Moraes Guerra, de 23 anos, e orienta um time numeroso e especializado em estruturação de novos empreendimentos, processos de recuperação de ativos imobiliários, administração condominial e consultoria estratégica.

Para Guerra, o ramo imobiliário é necessariamente permeado por biografias. Em paralelo à advocacia, fundou em 2012 a GMG Premiere, que atualmente tem como sócios André Coutinho, Lucian Fragoso (da Monthé Engenharia), Sandro Guedes (do Studio SG55), empresa de empreendimentos imobiliários que ele estrutura em torno de três critérios: valorização, rentabilidade e usufruto. Sendo este último, para ele, indispensável. “Não fazemos um projeto se não for para viver e compartilhar com amigos e familiares.” É assim que a atuação da GMG se entrelaça a destinos que fazem parte da própria vida do empresário e de sua família: a Praia de Muro Alto, o Recife e Gravatá. O Maison Première, entregue em março de 2024 e vencedor do Troféu Ademi-PE, é um bom exemplo: está localizado ao lado do Country Club – “a ‘segunda casa’ de muitas famílias pernambucanas, inclusive a nossa”, descreve o empresário. Na GMG, criou um modelo próprio de sociedade de desenvolvimento imobiliário em que os sócios não apenas investem, mas participam ativamente da materialização dos projetos. “Às sextas-feiras, todos recebem relatórios com o andamento das obras. Um ritual de pertencimento, uma forma de transformar construções em comunidades”, explica.

Seu tempo, ele costuma dizer, é distribuído entre quatro pilares que o abastecem da energia necessária para se manter ativo, inspirado, sonhador. A família é o principal deles. A esposa, Cândida, companheira desde o Colégio São Luiz, é presença firme nos bastidores, desafios e realizações de todos os projetos. Assim como os três filhos, Beatriz (23), Luiza (16) e Guilherme Filho (9). A advocacia e a GMG Premiere são, respectivamente, os segundo e terceiro pilares. E sua vida institucional, o quarto. Isso porque Guilherme Guerra acumula, ainda, papéis ativos em entidades de classe, sendo diretor da Ademi-PE, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Comissão de Direito Imobiliário da OAB. Entre ramos diferentes, mas conectados por propósitos e sonhos em comum, Guerra tem construído um legado relevante para a advocacia, o ramo imobiliário e a viticultura do estado, mas não se envaidece: aprendeu com o pai e o avô que legados não são posses, mas responsabilidades. “Ninguém é insubstituível, somos passageiros. Estamos todos prestando uma contribuição”, conclui.

+ENTREVISTA

Você representa a quarta geração de uma família de advogados que acumula mais de um século de tradição. O que significa carregar esse legado? Um legado só faz sentido quando é compartilhado. Sinto a responsabilidade de disseminar esse legado sem perder de vista as pessoas que estão caminhando conosco. Se pudermos manter essas pessoas especiais, agregando outras que também entendam o valor do que fazemos e disseminem nossos valores, já terá sido muito. Sei que ninguém é insubstituível. Contribuímos, mas depois é preciso passar o bastão com transparência e organização.

E quais as suas aspirações como parte desse legado? Continuo buscando ser um profissional melhor a cada dia, uma pessoa melhor a cada dia, para inspirar e para passar tranquilidade a quem está por perto. Quero contribuir para que cada um tenha mais estabilidade. Quero ser cada vez mais previsível. As pessoas subestimam essa qualidade. Ser previsível traz segurança e tranquilidade.

Quais são as suas maiores fontes de motivação? Em primeiro lugar, Deus. Depois, a família maravilhosa que construí e que não somente me apoia, mas embarca comigo em tudo. Minha esposa, que recebe nossos convidados nos piqueniques, me dá suporte em cada projeto. Meus filhos, que estão sempre ao meu lado, cada um depositando seu tijolinho em tudo que construímos. É neles que me abasteço e encontro paz. Apesar de me considerar workaholic, o tempo em família é precioso. Eles são a paz maior do mundo.

E como a carreira na advocacia inspirou a GMG Premiere? Tive a oportunidade de conviver de perto com a clientela do escritório e entender o setor imobiliário pernambucano, formado por construtoras sérias e de primeira linha. A nossa ideia com a GMG nunca foi fazer nada diferente disso, nem disputar algo, mas complementar esse mercado. Da mesma forma que presto homenagem aos pioneiros na viticultura do estado, celebro os profissionais que consolidaram o setor imobiliário. Digo sempre que cada empreendimento tem uma biografia. Do empreendimento em si e das pessoas que fazem o empreendimento.

E quais lições a advocacia e o ramo imobiliário trouxeram para o sonho de produzir vinhos em Gravatá? A resiliência, a persistência. Às vezes, acreditamos tanto no que sonhamos que sequer temos um Plano B. Traçamos um Plano A e nos apegamos a ele. Eu acreditava tanto na ideia da vinícola em Gravatá que sempre soube que era preciso, ao menos, tentar.