CARREIRA: MARCO ANTÔNIO FERRAZ & SUAS TOPS

Nascido em Volta Redonda ao pé do Morro São Carlos, famosa comunidade local, Marco Antônio Ferraz, 55 anos, começou desde cedo a ter habilidade com moda –  escolhia as roupas para serem feitas para as bonecas de suas amigas. Vestia sua mãe nos casamentos da família com tecidos baratos, mas sempre com ideias modernas e antenadas. Sua irmã, Leandra, foi sua primeira modelo – a vestia de Madonna com luvas de renda e pérolas em uma cidade do interior, para as domingueiras nos bailes populares que frequentavam. 

Desde cedo, dizia que iria embora quando completasse 18 anos para trabalhar com moda, mesmo não sabendo o que seria exatamente. Sua primeira parada foi em São Paulo e começou, por sorte ou destino, a fazer os books de uma escola de modelos. Seu primeiro trabalho importante foi ser colaborador fixo da Marie Claire, no final dos anos 90 – era das top models. Fez todas as capas em 1998 – de Shirley Mallmann a Luciana Curtis e à supermodel neolandeza Kylie Bax. Na sequência, mudou-se para o Rio de Janeiro e, logo em seguida, foi contratado pela revista Desfile onde passou a usar o prestígio que tinha adquirido em sua estada em São Paulo, para fazer de uma revista que pertencia à massa falida da Bloch Editores, uma das referências do momento. Todas  as top models passaram a fazer suas capas – modelos como Isabeli Fontana, Ana Claudia Michels, Carol Bittencourt, Anna Hickmann, Fernanda Lima. 

Foi contratado pela Loreal para o lançamento da marca Maybelline no Brasil e mais uma dezena de produtos como Elsève, L`oreal, Kérastase e Lancôme. 

Lançou uma geração de profissionais no mercado, Max Webber maquiador, Erica Monteiro, Ale de Souza, Rodrigo Grunfeld, Alê Duprat, Everson Rocha, Anderson Vescah, Ricardo dos Anjos… Todos eles fizeram capas de prestígio com o editor de moda, como a Vogue e a Bazzar russa. E ainda trabalhou para a Vanity Fair, por oito anos na edição italiana. 

Atualmente, morando na cidade que nasceu, na mesma casa, irá lançar em 2024 uma exposição sobre a atriz Cacilda Becker, um livro sobre as supermodels brasileiras. Revendo seu livro em que colava as fotos das modelos, percebeu que tinha fotografado 90% delas. A moda é o viés para contar a história de um sobrevivente. Vivendo no interior, mas sempre que pode, foge para não deixar a chama da imagem e o amor pela moda morrerem. Afinal, faz parte de sua essência.

Você chegou a fazer tudo nesse universo de moda que gostaria de fazer? Estou muito satisfeito com o que fiz. Muito satisfeito. Foi uma evolução diária de cultura, arte, costumes e comportamento. Achava que a moda era apenas a fotografia que saia na maior parte do meu olhar. Vejo menos charme, mas observo a sociedade falando pelas roupas que veste. 

Indo para o início de tudo… Você, ainda garoto, já demonstrava interesse por moda. Chegou a sofrer algum preconceito por conta disso? E como sua família reagia? Minha família é meu principal patrimônio. Meus pais foram escolhidos por Deus pra ter uma pessoa tão complexa e, ao mesmo tempo, tão fácil de ler. Meu pai era analfabeto. Só sabia escrever o nome e era o homem mais amável e íntegro que já vi. Fora a elegância que lhe era natural, era um lord. Falava baixo, contido. Tenho os olhos pequenos dele.

Eu penso sempre o que ele acharia de mim se estivesse vivo hoje? Minha mãe era uma força da natureza, mulher de voz rouca, que nunca desistia de nada e cumpriu a missão de ser amiga dos amigos, amiga dos que não a faziam bem. Ela sempre falava do perdão ao próximo, mas sem deixar de se posicionar. Não ser pela metade. Eles, por serem assim, se complementavam. Possa eu ser 1% do que eles eram. Então, não houve nem espaço para os que poderiam me julgar. E aí de quem o fizesse. Ouvíamos Cartola, Lupicínio Rodrigues, Clara Nunes e meu pai cantava Ângela Maria pra me ninar. Foi a cultura rica que eu tive. Uma realeza a minha volta. 

Ao invés de jogar bola você preferia vestir as bonecas de suas irmãs. Isso em algum momento lhe fez questionar algo sobre o que você desejava? Ou não fazia diferença alguma? Eu não sabia o que queria da vida. Desde criança, em minha cidade, não havia opções além de ser operário e trabalhar na CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e isso me assustava demais. Não que fosse ruim, porque todos os meus irmãos e meu pai trabalharam lá. Mas eu tinha medo de ser um destino em que em nenhum momento, eu poderia mudar. Tenho uma relação estreita com futebol que, aliás, adoro. Já fui a vários jogos da seleção. Meu pai escolheu o nome Marco Antônio por causa do lateral esquerda do Fluminense. E eu achava que era por causa do imperador! 

Nesse período até os 16 anos quando começou a ter contato com as marcas que existiam na época, quais eram suas referências? Comprei o livro do Giovanni Frasson e fiquei perplexo quando vi que as fotos que eu amava na época, foram feitas por ele. A revista Moda Brasil era a revista mais interessante da época. Quando ver o Giovanni, vou pedir um autógrafo. Fato! Quando eu tinha minhas notas gabaritadas, meu pai as comprava pra mim. Assistia todos os sábados o Ponto de Vista, coluna eletrônica de moda da jornalista Cristina Franco. Era sagrado ficar em frente à televisão. Madonna já começava a despontar, e a música Vogue foi um divisor de águas. Não apenas pelas imagens imprecáveis e ousadia – eu me interessava por todos os nomes que ela falava e comecei a pesquisar, na biblioteca da escola, quem eram aquelas pessoas.

Greta Garbo, Marilyn Monroe… assim fui vendo que havia um mundo, além do meu.  Depois, busquei os filmes que eles faziam, quais eram premiados, em seguida, os diretores. Essa foi minha primeira interação com a moda e a cultura que cruzei, na minha história. 

Fora que, eu era fã obcecado da modelo Monique Evans que era q madrinha oficial dos gays, eu a procurava quando ia ao Rio de Janeiro. Ia à praia onde ela frequentava, ficava em frente ao apartamento dela, por horas seguidas. Tinha uma coleção das fotos dela. Que um dia perdi dentro de um ônibus. Vivi um luto de adolescente por ter perdido todas as fotos e recortes que juntei anos a fio. Foi a primeira modelo a ser madrinha de bateria. Raramente eu a abordava, ficava nervoso, suando. Era a camaleoa. Tinha todos os cabelos e cores possíveis na época. 

Na pandemia, fiz uma live com o irmão dela, Marcus Panthera. Ele foi um dos maiores topmodels da década de 80. Viajou o mundo. Meu amigo. Tenho imensa gratidão por ele. Nesta live ela entrou e conversou comigo – fiquei em pânico. Era  o menino de 13 anos com a sua musa. Foi esse amor que me fez buscar a moda. Queria trabalhar com ela de toda forma e, acredite, eu nunca fiz uma foto com ela. Preciso, né? Pela gratidão.

Aos 18 você deixou Volta Redonda, sua cidade natal, para morar em São Paulo que sempre fervilhou de moda, no Brasil. O que mais procurava e como foi esse contato direto com a metrópole que respira moda? Como foi esse início na capital paulista? Eu falava que ia embora desde os meus 13 anos, e fui. Lembro dos meus pais comigo na rodoviária, comidas e colchão. Quando se é jovem,você tem uma coragem extraordinária. Morei em um Albergue da Juventude, em vagas de casas em São Paulo. Mas nada era ruim. A coragem, sempre fez parte de mim. Meu primeiro emprego foi em uma loja e tinha um estúdio do lado. O produtor de moda faltou por dois dias seguidos. No terceiro dia, do nada foram lá me pediram ajuda. Não sei onde estavam com a cabeça! Na mesma semana eu já trabalhava fixo no estúdio. Assim, comecei com books de modelos a entender de montagens, mistura de peças e proporções. 

Nos anos de 1990 você chegou a trabalhar para importantes revistas de moda como Desfile e Marie Claire. Como foi esse período? Que recordações e lições guarda dessa época? Por um ano, na Marie Claire,  fui o autor de todas as capas e isso mudou a minha vida. Eram as maiores modelos da época – Shirley Malmann, Luciana Curtis… Eu começava a entender o que eram as supermodels de verdade. Na revista Desfile, foi a maior experiência que tive em toda a minha vida. Na Bloch Editores, fui convidado depois de um trabalho para assinar toda a parte de moda da revista. Um exercício de criação e aprendizado. Meu chefe era Roberto Barreira, que foi o impulsionador das carreiras de Xuxa e Luiza Brunet. Monique também. A revista era lançadora de tendências.

Substitui a lendária Hiluz Del Priori. Ela mesma me escolheu. Não a conhecia. Ela disse ao Roberto “fica com ele! Ele tem sangue nos olhos para acertar”. Com uma matéria só publicada, ela me escolheu entre tantos e eu nunca a havia visto antes. Usei a ajuda dos mega models (Marcus, Eli e Gustavo), as melhores modelos da época. E tinha a oportunidade de ter todas as meninas, das melhores revistas sem pagar um centavo sequer. A revista não tinha dinheiro mesmo, éramos falidos, mas isso não importava, ninguém se importava. Neste contexto, lancei muitos fotógrafos, stylists e maquiadores que, muitas vezes, se tornavam amigos pela convivência. Talvez por conveniência. Não tinha a expertise de um chefe de redação. Tudo era muito misturado. Em algumas relações, sai machucado e devo ter machucado algumas pessoas também. Era inexperiência. 

Eu queria ser a chegada, mas era o caminho. Na vida, temos que saber como entramos na vida do outro para o seu progresso, e isso, eu fiz muito. Não preciso de reconhecimento ou créditos por isso – quando você faz algo pelo próximo, está fazendo por você. Isso, a vida me ensinou. Desapego total. Fiquei livre depois que entendi isso. 

Minha primeira capa na Bloch foi com a Isabela Fiorentino, que aceitou gentilmente nosso convite. Não mudava nada a vida dela, mas mudava a nossa. Tenho imenso carinho e gratidão pela oportunidade que a bela nos deu. Depois dela, todas fizeram. Em seguida, foram as publicações internacionais. Foi uma sequência interessante. 

De São Paulo para o Rio de Janeiro. Era lá que você queria estar desde sempre? O que lhe encantava na cidade maravilhosa e como se realizou por lá? Tive um enfarte após uma temporada internacional, e não tinha condições emocionais de ficar em São Paulo. Fui pro Rio com a esperança de me cuidar, mas não fiz. Passava dias ensolarados na cama e não tive a vida saudável que havia me prometido. Aí, aconteceu a revista Desfile! 

Você sempre foi um profissional que se relacionava muito bem com as modelos (tanto que está aqui na capa com algumas delas). A que se deve isso? Nunca fui preguiçoso na minha criação. E sempre tentava o caminho fora do padrão – eu as desafiava, e elas me devam lindas imagens. Na moda, nem sempre fazemos arte, e eu queria algo atemporal. Gostava das imagens do Avedon, do Peter Londbergh. Temos grandes estilistas aqui. Não vejo razão por essa obsessão por estilistas internacionais. Nosso mercado precisa aquecer, dar lucro. Alimentar famílias, criar progresso no país.

Nosso trabalho é um pedaço da ponta final do processo. A divulgação! Antes disso, temos a criação – escolha dos tecidos, a modelagem, as costureiras, os benefícios da peça. Devemos celebrar o internacional sim, mas sem deixar de alimentar o mercado nacional. Amo vintages e roupas já usadas. Tenho aprendido sobre sustentabilidade e as fases fashion são as maiores poluidoras dos nossos oceanos. Como achar o meio termo entre consumo e sustentabilidade? Essa é minha maior questão hoje, nos meus pensamentos. 

Polêmico, genioso, criativo… O que o tempo foi moldando e como você se enxerga hoje em dia? Nenhuma dessas definições é mentirosa. Já fui mais polêmico, aprendi a me calar. Isso te traz paz. Genioso, sempre serei, mas hoje, mais maduro e em compromisso com minha evolução, ando bem melhor para conviver. A vida te ensina de forma calma ou violenta, mas ensina. Sempre defenderei os menos favorecidos, as pessoas sem chances. Ando aprendendo a ser antirracista. Nosso país mata mais LGBTS que o mundo todo. 

Meu mundo não é só dos vestidos que uso em algum trabalho. Minha existência precisa fazer sentido. Quem me conhece sabe que só tenho este lema. Não estou na corrida pelo sucesso, nem por visibilidade. Não estou competindo com ninguém, além de mim.  

Como a moda ainda lhe move hoje em dia? Quando ela lhe emociona? A moda tem um poder transformador e de nos entendermos como sociedade. Sempre nos preocupamos com o que vamos usar e com nossa imagem. Vai desde a mãe que pensa na roupa que o filho sai da maternidade, até o dia do nosso sepultamento. A roupa fala. Assim como nossas atitudes. 

Quem ainda falta você produzir que ainda não conseguiu? Tem pessoas que tenho no meu pódio de admiração, mas que não, necessariamente, preciso fazer e realizar esses sonhos. Gostaria de ter criado imagens para a Dona Ruth de Souza e para a linda Léa Garcia. Tive oportunidades, mas não as concretizei. Achar que temos todo o tempo do mundo para realizar, é um imenso engano.

O que podemos esperar de MAF para este ano? Estou aposentado formalmente há três anos, mas continuo em projetos e ações que me deixam feliz. Comprei uma câmera e algumas lentes para fotografar minha família. Alguns projetos estão em andamento – como a oficina de moda para comunidades. Quero um mundo melhor! Com empatia. Ando tentando fazer a minha parte e estou conseguindo. 

DEPOIMENTOS

“Marco Antonio Ferraz tem um olhar aguçado e afinado com a moda. É capaz de construir produções incríveis a partir de um retalho, um pedaço qualquer de pano. 

Mas ele vai além, ele capta toda a atmosfera como se tivesse uma câmera de cinema nas mãos, e vai dirigindo a cena… É um privilégio trabalhar com essa pessoa tão talentosa e querida por mim”. Carla Barros 

“As criações de Marco sempre têm uma dramaturgia, um ícone de beleza ou uma personalidade pra nos inspirar. Adoro a atmosfera que ele provoca pra que a gente brilhe!!! Bravo Marco”! Isabel Fillardis 

“Sempre foi uma alegria saber que eu estava no casting dele. O mundo da moda era muito exigente e duro. Elegia suas favoritas e com certeza, MAF também era assim, seu olhar e talento entraram para a história da moda brasileira”. Lilian Pieroni 

“Marco é uma pessoa forte, inquieta, moderna e impetuosa e isso, sem dúvida, reflete em seu trabalho. Trabalho criativo, com personalidade, que traz sempre uma nova e atual leitura, que deixa a gente bonita e com muito punch. Trabalhar com ele é ter a certeza de que ficaremos muito felizes com o resultado, que o exibiremos (e nos exibiremos) com prazer e usaremos sempre as fotos em vários posts e stories (risos )”. Silvia Pfeifer 

“Fotografar com o Marco é sempre revisitar a história da moda. Ele estava nos meus primeiros passos e antes ainda. Tem uma memória espetacular e nos envolve em suas lembranças de uma forma especial. Atemporal e autêntico, tem em seu olhar uma rica bagagem. Sempre uma experiência incrível participar de suas produções”. Juliana Galvão  “Ao longo das décadas em que tenho trabalhado, vi grandes gênios. Gênios são gênios por talento, determinação, generosidade e personalidade forte. Marco Antônio é tudo isso na maior potência. Não se esquece dele”. Veluma

ASSISTA MAKING OF:

Equipe 

Coordenação MAF

Styling MAF

Fotos Ro Paganelli 

Beleza 

Silvia Pfeifer e Isabel fillardis por Dani pacci

Carla Barros por Lua Tiomi com produtos Erik Kened 

Juliana Galvão, Lilian Pieroni e Veluma por Graciane Vasquez 

Agradecimentos especiais

Sérgio Mattos e Nill Gray (Agência 40 Graus) 

Sônia Fillardis 

Kadu Niemeyer e Renata Niemeyer Todos os looks usados e sapatos são reciclados comprados em lojas de roupas usadas. A ideia é usar sempre que possível peças que não possam atingir mais a camisa de ozônio, os lixos pelo mundo.