
Cria dos palcos Dan Stulbach, está de volta a eles em grande estilo com um texto clássico de William Shakespeare de grande densidade e de grande alcance. Foi no teatro que ele teve seus primeiros contatos com a arte da dramaturgia. Foi lá sua grande escola por onde passou por todas as áreas, de operador de luz a assistente de direção. Já atuou, dirigiu, ensinou e a cada novo processo, sua paixão pela dramaturgia só aumentava. Na TV teve a sorte de colecionar personagens emblemáticos como o Marcos, na novela Mulheres Apaixonadas (2003), de Manoel Carlos, o “maníaco da raquete”, e o Léo da série Queridos Amigos. Já no cinema, esteve presente recentemente no premiado Ainda Estou Aqui e no desafiador Fé para o Impossível. E agora Dan finalmente estreia na capa da MENSCH, e o cenário não poderia ser outro: o teatro. É de aplaudir de pé!
Dan, você começou no teatro e agora está de volta a ele com O Mercador de Veneza. Poderíamos dizer que o teatro é o seu “lar” como artista? Como é estar de volta? Olá pessoal da MENSCH, tudo bem? Sim eu acho que o teatro é onde eu me sinto mais em casa, é onde eu comecei e onde, de alguma maneira, eu passei por todos os lugares – fui operador de luz, montei luz, operei som, varri o chão, fui assistente de direção, fui contrarregra… Enfim, dirigi, atuei, dei aula. De alguma maneira é meu lugar de refúgio, um lugar que eu conheço bem, um lugar que eu adoro. Eu gosto de tudo do teatro. Gosto de chegar antes, gosto de ir pro camarim e me preparar, me aquecer no palco. Depois, me vestir e fazer uma roda com elenco, ouvir o barulhinho do público chegando – dá um friozinho na barriga, repensar o que eu quero pra aquele dia. A reação, a surpresa positiva e negativa das piadas ou dos momentos dramáticos – a busca artística que o teatro me proporciona, porque tem um dia após o outro e, depois, quando você sai do teatro e a plateia está vazia. Mas, você ainda sente aquela energia – encontrar quem ficou ali pra cumprimentar, pra falar o que achou. E depois jantar, sair. Eu gosto do ritual todo. Sou bem agradecido a ele porque, de alguma maneira, é o que eu sempre quis fazer. Claro, eu queria ter reconhecimento como artista, ter um espaço que me possibilitasse também ser chamado por pessoas pra outros veículos e outras parcerias. Mas o teatro é onde essa relação do que eu quero expressar, da maneira que eu quero encontrar as pessoas – o que mais me realiza. Claro, apesar de ser o menos popular de todos, o de menos alcance de público – a proporção por parte da televisão ou do cinema muito maior. É onde eu me realizo bastante.

Ainda mais com uma peça tão densa que aborda temas como antissemitismo e discriminação racial e que teve seu texto adaptado do século XVI para os anos 1990. Como é para você fazer parte desse projeto? Fazer parte do Mercador de Veneza, poder montá-lo hoje em dia, é uma grande realização pra mim porque, como você diz, é um texto de grande densidade e de grande alcance. Portanto, todo mundo entende e participa na camada que quiser, das mais superficiais às mais profundas. Ele possibilita uma viagem de cada um em relação ao tema que, infelizmente, é atual porque traz à tona dificuldades que a nossa sociedade tem desde 1596, quando foi escrito – tratando de discriminação, da dificuldade que certas pessoas têm com quem é diferente, o tratamento ao estrangeiro, o tratamento à mulher. Enfim, a peça trata desses temas com muita dignidade e inteligência. Então, fazer isso hoje em dia é muito bom, porque artisticamente, você tem um grande desafio e cenicamente você pode dizer coisas e provocar as pessoas a pensarem no dia-a-dia e no que está acontecendo agora, na hora em que elas ligam a televisão, leem o jornal, ouvem as notícias ou abrem suas redes sociais. Sobre o que elas veem, fazem e pensam. Um lugar muito bom do teatro estar – mostrar e emocionar as pessoas artisticamente com o impacto que elas possam ter com a nossa arte, com a maneira que a peça é feita, mas também no que ela faz pensar.
Como descendente de judeus como é falar de preconceito? Isso, de certa forma, já fez parte de alguns de seus trabalhos. Como isso lhe toca e como a arte pode servir para isso? Bom, falar de preconceito e de aceitação da diferença é algo que me toca como ser humano, como cidadão de um mundo que eu quero que seja melhor, mais tolerante, pra mim, pros meus filhos, pra todos. A minha história, pessoalmente, me toca bastante porque sou neto da guerra, filho da guerra. Meu pai nasceu ali e temos uma história de família bastante intensa e de muitas perdas em relação a isso. Mas, evidentemente, não é a única história. São tantas e tantas outras histórias de intolerância que o Brasil vive todo dia, a todo momento, e que precisam ser mudadas. O crescimento da intolerância em diversos países, ao estrangeiro e ao diferente, é algo que infelizmente é cíclico. Hoje, acho que a gente vive em um momento de muita intolerância. Portanto, de uma certa regressão nesse sentido. Então, falar disso, brigar por isso, é algo que me toca profundamente e que me inspira como elemento de escolha dos projetos que eu desenvolvo.

Indo lá atrás quando você estava decidindo seu futuro profissional, você chegou a passar no vestibular para Medicina, Administração e Engenharia. Chegou a cursar um ano de Engenharia, mas acabou se formando em Comunicação Social, na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Áreas tão diferentes umas das outras, mas de alguma forma, você tinha algo de médico, administrador e engenheiro dentro de si? Ou foi pura indecisão sobre o que desejava na época? Quando eu decidi as faculdades todas, estava muito perdido, confuso, e a engenharia era uma escolha mais óbvia porque era a profissão do meu pai. Eu era bom de matemática e sempre pensei, quando criança, que seria engenheiro. Então, acabei cursando. Daí veio o chamado artístico, mais forte. Dessas profissões, o que teria restado um pouco mais em mim, teria sido a engenharia, no sentido da racionalidade, da organização. Até hoje sei fazer tabela, fazer lista, e tentar resolver o dia-a-dia de uma maneira mais organizada.
Essa sua multiplicidade parece que permanece até hoje. Você atua como ator, diretor, apresentador e radialista. Acredita que uma vida só é pouco para tantas possibilidades de atuação? De onde vem essa (aparente) inquietação profissional? (risos) Essas inúmeras realizações em diversas áreas, acho que elas vêm de duas coisas – uma foi a percepção que eu tive de que a minha profissão era muito instável. Então, eu precisava de relações sólidas que me trouxessem também ganhos constantes, uma certa solidez, uma certa segurança. Então, estabelecer projetos com empresas que tivessem uma duração, uma constância. E acho que uma inquietação de poder se manifesta em diversas áreas, de diversas maneiras. Falar sobre o dia-a-dia como apresentador na rádio (CBN) é completamente diferente de fazer um Shakespeare, apesar de também falar pro mundo – em um eu tenho um personagem. No outro não tenho um tenho texto, no outro, não tenho. Poder entrevistar pessoas e entender como elas entendem o mundo, como elas estão reagindo ao mundo de hoje, também é muito prazeroso. Esses encontros são muito legais, aperfeiçoam o diálogo, aperfeiçoam a escuta – é algo que eu adoro fazer. Então, acho que vem sim de uma inquietação de fazer coisas novas, projetos novos de uma maneira diferente, e dessa coisa que eu percebi lá atrás. Primeiro, eu dava aula de teatro em vários lugares. Depois disso, fui criando sempre relações sólidas e que duraram e ainda duram bastante tempo.


Na TV você foi alçado ao estrelato com o odiado personagem Marcos, na novela Mulheres Apaixonadas (2003), de Manoel Carlos, o “maníaco da raquete”. Como esse personagem mexeu com você? Ainda hoje é lembrado por ele? Ah, esse personagem mexeu muito comigo sim. Primeiro, porque ele mudou a minha trajetória, pelo reconhecimento, e também a minha compreensão artística do que é a televisão, do que pode ser feito na televisão, o alcance que ela pode ter. Mudou-se uma lei no país por conta desse trabalho, que é algo muito recompensador. E se ainda sou lembrado por ele, só não o tempo todo, como era antigamente, mas numa entrevista como essa, ou numa conversa sobre a minha carreira, do impacto que ele teve. Sou muito agradecido a isso. Foi uma grande sorte ter tido esse personagem pra fazer.
Mesmo com o sucesso de Marcos acredita que o Leonardo, seu primeiro protagonista, na série Queridos Amigos, foi um divisor de águas na sua carreira na TV? Algo em comum com ele? Que bacana você me perguntar sobre Queridos Amigos porque é um dos trabalhos pelos quais eu tenho mais carinho. Primeiro, porque foi um pouco uma ideia minha ideia que eu trouxe pra Adelaide Amaral. A gente ia fazer um trabalho que acabou não acontecendo e, a partir desse cancelamento, abriu-se a possibilidade de trazer novas ideias e, conversando com ela, surgiu a lembrança do livro, que era Aos meus amigos, e que virou essa série. Adelaide é uma artista que eu admiro muitíssimo, adoro ela – a gente faz Pilates juntos. E também de tratar do tema da amizade, do carinho, do amor entre as pessoas, das ideologias – coisas que naquele momento eram também mais raras de se trazer à televisão. E com um elenco maravilhoso, direção, um projeto muito legal de fazer. Um projeto que, curiosamente, você me perguntou sobre se as pessoas vêm falar comigo de Mulheres Apaixonadas – vem muita gente também, talvez seja o segundo trabalho que as pessoas mais lembrem, e são públicos diferentes, a pessoa que vai lembrar de um trabalho ou de outro. Você percebe muito a proximidade de quem vem falar a partir do trabalho que ela lembra, e quase sempre as pessoas que vão falar de Queridos Amigos vêm com muita emoção, muito carinho. Pessoas que compraram o DVD, que assistem no Globoplay, e que assistiram várias vezes, que lhes disse algo ao coração. Por todos esses fatores, tenho uma lembrança muito carinhosa. Se foi um divisor de águas na minha carreira, talvez tenha sido, pela responsabilidade que eu tinha de ser protagonista, desse novo lugar na TV. Foi também, profissionalmente, muito importante.


Aliás, seus personagens em geral são muito diferentes entre si. Como se distancia de um personagem para outro? O que é mais desafiante, aquele mais próximo a você ou o mais distante? Eu acho que meus personagens são diferentes entre si – eu busco sejam diferentes entre si. Acho que o que distancia um personagem do outro é a maneira com que ele resolve a vida. Você tem uma peça que é Hamlet, tem cinco atos de uma pessoa pensando se vai matar ou não outra pessoa, e você tem Macbeth, que é uma outra peça em que ele mata uma pessoa na primeira cena. A gente resolve a vida de maneiras diferentes, e você, quando vive esse personagem e percebe a maneira com que ele resolve aquilo, o que ele sente, o que ele deseja e no que acredita, de que maneira se configura a resolução dos problemas e dos sonhos que a gente tem. Todos nós nos parecemos, mas a maneira com que a gente se parece é muito diferente, e também a intensidade dessa emoção, e como cada uma dessas emoções é traduzida, com que palavras. E que situações aquele autor propõe também – situações mais cotidianas, situações mais profundas. Eu busco que sejam diferentes, pra poder aprender com todas elas. Alguns são mais próximos de mim por serem mais urbanos, mas eu nunca tento aproximar os personagens de mim – tento fazer o contrário, tratá-los sempre como pessoas diferentes de mim, porque acho que meu desenho emocional de fala, de gesto, pode ser melhor definido. Tem gente que fala isso – você faz teatro, interpreta pra aparecer ou pra desaparecer – acho que o meu caso é o segundo.
Indo para o cinema, seu trabalho mais recente é um drama que fala de intolerância religiosa e fé em momentos sombrios. Como foi a receptividade do público e o que ficou desse projeto em você? Fé para o impossível foi um trabalho muito diferente de todos que eu tinha feito antes, exatamente por essa temática. Primeiro, por trabalhar com pessoas que eu não conhecia antes – um dos motivos de ter feito, assim como o tema. Escolher um tema com que eu não tinha tanta intimidade. Então, fui pra ver o que isso poderia trazer pra mim, e acabou que o trabalho em si, ou o envolvimento durante o trabalho, me trouxe coisas boas pra repensar, pra me reconectar e, agora, com a imensa repercussão que o trabalho teve, poder, através dessa repercussão, ver o bem que o filme fez pra tanta gente, o que pode ser uma das funções da arte também. O quanto ele ilumina os corações das pessoas que o assistem e são tocadas por esse trabalho. Isso é muito recompensador e traz outro tipo de prazer em relação ao que eu fiz, ao que a gente pode fazer. Agora, só um parêntese, eu estava no (filme) Ainda estou aqui, que também teve uma repercussão, muito retorno e muitas mensagens carinhosas, muito intensas e de agradecimento emocional em outro lugar. Então, cada trabalho tem a sua força, e isso é muito bom, porque o que você quer é que os trabalhos tenham força e alcance.

E como surgiu o Fim de Expediente, esse programa no rádio que em breve completa 20 anos? Diríamos que é onde você se solta e se diverte? Fim de Expediente surgiu assim: eu andando de bicicleta com os amigos – um deles faz um programa até hoje que é o Zé. Na época eu estava dando muitas entrevistas, estava fazendo uma novela, acho que era Senhora do Destino, e eu achava que as perguntas se repetiam ou que eu não podia falar sobre o que queria falar – daí eu pensei “poxa, bom era em vez de responder perguntas eu poder fazer, ter um encontro e a gente falar sobre a vida”, daí eu falei “é isso que eu quero fazer, vamos fazer juntos”, e que fosse com meus amigos, para que tivesse essa liberdade de poder falar de qualquer assunto de uma maneira mais solta, de ter leveza, descontração, mas sem perder a profundidade. Depois fui na casa do Teco, outra pessoa que faz programa até hoje, e a gente começou a gravar fitas-cassete de programas imaginários, de como seria isso, depois nós fizemos um CD demo – era o que a gente tinha ali naquela época – 20 anos atrás, e eu levei pra rádio. Lá, encontrei sem querer o (jogador de futebol) Raí, que me apresentou pra Marisa Tavares, diretora da CBN. A gente fez um programa teste. Enfim, as coisas aconteceram muito rápido. Nosso primeiro convidado foi o Sardenberg, jornalista e economista, que foi quem deu o nome ao programa. Nunca imaginei que ia durar 20 anos entrevistando pessoas, toda semana. Não sei se é onde eu mais me divirto, mas eu me divirto muito. O encontro com eles é sempre muito bom, e muito bom poder fazer coisas com pessoas que são suas amigas tanto e há tanto tempo, o Zé da faculdade, o Teco da escola.
Falando nisso, onde você procura relaxar e recarregar as baterias? O que faz? Procuro relaxar e recarregar as baterias fazendo coisas com meus amigos – ir ao estádio, cozinhar em casa, ir na casa dos amigos, ir pro sítio, andar com meu cachorro, adoro meu cachorro. Pequenos rituais e coisas que me fazem muito bem. E também arrumar as coisas em casa, ler um livro, ver um filme, estar junto com as pessoas que eu amo tudo isso. Eu divido muito a vida do trabalho e a vida fora dele.

E em família, como é o Dan paizão? O que aprende com e ensina aos filhos? Acho que sou um pai bastante presente. Às vezes não de tempo, pela minha profissão. Por exemplo, estou respondendo a essas perguntas aqui no Rio, eles estão em São Paulo. Vou fazer um filme daqui a pouco, no litoral norte. Então, vou ficar fora, depois tem peça em Recife, Curitiba… Enfim, meu trabalho, às vezes, me tira de casa. Mas tento ser muito presente na vida deles com as conversas, com programas, cada um deles tem gostos bastante diferentes, bastante pessoais. Então, é tentar viver cada um desses universos. A gente quer que nossos filhos sejam de alguma maneira, melhores que a gente. Eu acredito muito em criar pessoas que sejam cidadãos do mundo, pessoas preparadas pra lidar com questões que são absolutamente novas pra mim, como as redes sociais, a rapidez com que tudo muda hoje em dia, deixá-los preparados pra isso. Ser de alguma maneira essa pessoa que com quem eles contem sempre – apesar de tudo. Então, acho que esse é o pai que eu tento ser.
Algum plano futuro a curto e longo prazo? Plano futuro em curto prazo – alguns profissionais como O Mercador de Veneza, até o final do ano, e um filme que eu faço agora no final de julho. Tem convites pra filme, pra outras coisas, mas ainda não estão fechados. Um roteiro que eu comecei a escrever agora. Quem sabe, para um filme ou uma série. Ou pra nada, não sei, mas que eu comecei a escrever. Peças diversas que eu leio o tempo todo aqui, algumas que eu já estou me separando pra tentar produzir. Acho que hoje em dia, a gente tem que ser muito produtor da gente. Então, tem muitas coisas profissionais, muitas ideias, muitas sementes – vamos dizer assim, plantadas por aí. E na vida pessoal, continuar presente na vida dos meus filhos, participando deste momento que é lindo de testemunhar e de fazer parte, que é o crescimento deles. Acho que é isso, obrigado.

Fotos Marcio Farias
Styling Samantha Szczerb
Agradecimentos Amil confecções, Democrata e Oficina
Assessoria JS Pontes