CAPA: ORLANDO CALDEIRA MOSTRA A QUE VEIO EM “VAI NA FÉ”

Ele só está em seu segundo trabalho na TV, mas Orlando Caldeira já mostrou que não está pra brincadeira, talento não lhe falta. É o que se percebe com o personagem Anthony Verão na novela Vai Na Fé (Globo), onde interpreta um jornalista de site de fofocas bem atual. Mas a trajetória desse carioca cheio de garra vem de muito tempo, vem dos palcos de teatro, e acima de tudo de muito estudo. Depois do teatro, veio o circo e daí em diante Orlando foi se descobrindo como artista em suas diversas formas. Um pouco de tudo isso ele nos contou aqui nesta entrevista.

Orlando quando foi que a dramaturgia entrou na sua vida e você descobriu que era isso que queria pra você? Entendendo a dramaturgia como uma arte em geral, estar contando algo para alguém, estar me comunicando, não necessariamente na escrita, mas como artista, dizendo coisas, me comunicando, isso veio no 2º grau. Eu estudava em um colégio público chamado Visconde de Cairu, Meier (RJ). Lá tinha um grupo de teatro que era muito potente. Eu lembro que quando teve uma semana de artes lá, o teatro fazia apresentações e eu lembro que assistir a uma. O teatro lotado, e era uma comoção e eu lembro que pensava “Eu quero fazer isso”. Então, comecei a fazer teatro lá e, no primeiro festival que participei, que era do Cairu, eu ganhei o prêmio de melhor ator e pensei “Opa, acho que sou bom nisso!”. Desde então, eu não sai mais do teatro e esse casamento foi ficando cada vez mais sério. Minha vida hoje, com quase 40 anos sou ator há mais de 20, e vejo o quanto que o ensino, a arte, a educação, você entender o quanto é importante a escola na formação de um ser humano. Lembro que meus professores sempre traziam para a sala de aula a vivência fora, e como isso nos prepara para a vida. Ali é um estágio para a vida adulta. Como é importante você pensar a educação como uma forma de você traçar caminhos possíveis pra cada um. Então, foi a partir do curso de teatro, que tudo começou e comecei a entender como a arte me ajudava a colocar toda minha potência para fora. Depois do teatro, veio o circo, sou formado pela Escola Nacional de Circo e pude entender o corpo como uma potência extraordinária de contar uma história. 

Acredita o Coletivo Preto e Cia de Teatro Troupp Pas D’Argent foram decisivas em sua carreira? O que mais lhe marcou nessas experiências? Sem dúvida, o que foi decisivo na minha carreira foi a Troupp Pas D’Agent, pois foi a partir dela que eu fui me instrumentalizando na arte de modo geral, pensando o meu compromisso como artista dentro e fora de cena, o como construir a cena, como pensar no além de atuar, pois eu atuo, dirijo, produzo. Enfim, eu sou um artista criador muito por causa da Troupp que foi essa minha companhia de teatro, que eu também faço parte há 20 anos, e foi nela que eu viajei para muitos países, apresentando espetáculos em turnês fora do Brasil. Além de muitas cidades do país, nós ganhamos muitos prêmios e um repertório de peças das quais me orgulho demais. 

Você ministrou a oficina O Corpo e Seu Potencial Imagético, no Brasil, Chile, Reino Unido e Itália. Como foi esse período de viagens com a oficina? Eu tive a oportunidade de entrar em contato com artistas de várias partes do mundo. Isso foi crucial na minha formação como artista – poder ver uma cena mundial, mais plural, além do que eu via no Brasil. Aqui, eu pude passar por todas as regiões e ver muitas companhias com linguagens muito especificas. Foi muito enriquecedor pra mim, sobretudo para quando fui para exterior com essas oficinas, o ampliou o meu olhar, a forma como enxergo a arte, como eu quero me colocar no mundo como artista.

Sua estreia na TV veio com o Catraca na novela Verão 90, sucesso que rendeu até indicação de Melhores do Ano. Como foi isso pra você? Foi sensacional poder contracenar com a Dira Paes! Ela me deu as boas-vindas no audiovisual em geral e eu aprendi muito. Ela é uma gênia do audiovisual. Ela foi dividindo comigo e apresentando alguns processos que são bem diferentes do teatro. Eu fui entendendo, criando confiança, segurança e fazer o Verão 90 foi um divisor de águas na minha carreira.  

Agora você voltou à TV com um personagem que alfineta muito o mundo das celebridades e fofoca, que é o Anthony Verão em Vai na Fé. Como está sendo interpretar o Anthony? Como surgiu o convite? Eu acho incrível poder interpretar um jornalista que, em um primeiro momento, é visto como um fofoqueiro, uma coisa menor e fútil, mas ele traz em um discurso que é muito relevante, que é o da verdade. O compromisso dele é sempre falar o que é a verdade e isso em um momento em que estamos vivenciando as fake news, onde as pessoas estão propagando muitas mentiras e notícias falsas. Interpretar  um jornalista em uma novela que fala para todo um país e que tem um compromisso com a verdade, foi muito bom! Eu encarei com muita responsabilidade essa missão do Anthony e entender também o meio da fofoca no show bussiness, pois ele alimenta a dinâmica do show bussiness das pessoas pensarem “Falem bem, falem mal, mas falem de mim!”. Muitos famosos usam isso para continuar na boca do povo. O convite veio através de um teste – a produtora de elenco Patrícia Rache me convidou e no primeiro teste, ela gostou e a partir daí comecei a fazer o Anthony.  

Como se preparou para o papel? Eu fiz uma preparação com a Chris Moura, preparadora de elenco da Globo, e fora esse trabalho incrível, eu comecei a consumir o conteúdo de fofoca. Eu não consumia esse tipo de conteúdo – comecei a seguir todos os jornalistas que trabalham com o segmento da fofoca. Assim, comecei a entender o que era comum a todos, o que era característica de cada um, para ir compondo o Anthony. Não me inspirei em ninguém, pois o Anthony tem camadas que são particulares e não fazia sentido eu mimetizar alguém que já existisse.  

O que é talento e sucesso para você? Por que nem sempre um está junto ao outro? Pra mim, os dois estão muito ligados a trabalho. A dedicação, enfim, eles são completamente diferentes de fama. Fama é uma coisa, talento e sucesso é outra, pois muito gente que é extremamente talentosa, bem sucedida no que faz, mas que dentro de uma proporção pequena ou média. Resumindo – talento e sucesso são fruto de trabalho, de dedicação, de estudo, de empenho. 

Acha que a representatividade de negros melhorou no audiovisual? Sem duvida a representatividade negra vem melhorando cada vez mais. Quando falo representatividade não é só na frente das câmeras, mas também nos bastidores. É obvio que ainda temos um caminho muito longo. Mas sim, já há uma mudança e o impacto é transformador, de um modo geral quando a gente pensa o audiovisual no Brasil. Muitas  pessoas são tocadas pelo audiovisual – por exemplo, a gente pensa em uma novela, muita gente é formada por isso, elas chegam em casa e ligam a TV e assistem àquela história. Então, aquela obra está contribuindo para a formação daquela pessoa e entender que temos cada vez mais obras que não usam imagens de pessoas negras em lugar de subserviência ou então, reforçando o estereótipo. Assim, estamos contribuindo para que o Brasil seja um país menos racista, mais justo, mais igualitário e mais potente. Quando a gente pensa em uma criança negra crescendo e vendo pessoas iguais a ela sendo subserviente, ou então, limitadas a um estigma de ser o bandido, tá servindo a alguém. Estamos formando essa criança para que a vida dela seja assim. E quando a TV, a mídia, o audiovisual apresentam uma outra possibilidade que é o da potência, da pluralidade, da possibilidade, a gente tá fazendo com que esse cidadão, ou cidadã, cresça podendo explorar sua potência e a nação, por inteiro, ganha com isso.

E de que maneira a presença negra no audiovisual pode ganhar mais espaço? Primeiro, entender que a representatividade negra, é plural. Não existe uma negritude e sim negritudes. Existem várias formas de negritude no Brasil – é a gente atentar a isso e tentar dar conta dessa pluralidade. Pensar que essa representatividade precisa estar fora da cena também, com diretores, roteiristas, produtores, iluminadores…Pessoas negras que vão trazer um olhar, uma visão, muito particular sobre aquele produto, aquela obra, aquela dinâmica, trazendo reflexões mais atualizas sobre a questão racial no Brasil.

A TV, hoje em dia, é realmente mais diversificada e democrática? Não, não é. A TV atende a uma demanda do mercado. O mercado entendeu que a população negra representa economicamente uma fatia muito grande e aí a TV, que faz parte dessa indústria, está respondendo a essa demanda e está tentando cooptar esse público que, até então, estava posto de lado, mas não podemos dizer que ela é mais diversificada e democrática. Eu acho que, para se moldar a uma demanda de mercado, ela tá tentando atender a alguns requisitos e a gente nunca pode perder isso de vista, porque se fosse, de fato, mais democrático e diversificado, as discussões já estariam muito mais avançadas, porque existem muitas minúcias não só da questão racial, mas de gênero. Quando a gente fala sobre etarismo, sobre capacitismo, a gente engatinha em muitos aspectos, mas sou otimista. Eu acho que a gente está prestes a chegar a esse futuro que é mais satisfatório. Ainda, não o ideal, mas para todos, de um modo geral, sem se iludir, imaginando que a magia está acontecendo. É tudo uma questão de mercado.   

Dois de seus projetos futuros é Pelada que aborda os jogos de gaymado no subúrbio, e Angu, peça que traz personalidades afro-LGBT como destaque. O que pode nos adiantar sobre eles? O Pelada faz parte de uma trilogia de um projeto que criei chamado Trilogia de subúrbio que pensa as dinâmicas e acontecimentos que, a princípio, estão na ordem do ordinário que acontece no subúrbio quando visto na perspectiva da arte – a gente vê o quanto são ações extraordinárias. A gente pensar que o queimado, ou queimada, que é um esporte que a gente brinca na infância. Hoje, nos subúrbios do Rio de Janeiro, nas favelas, acontece um movimento desse esporte que, a princípio, é uma coisa ordinária, que todo mundo já jogou, mas que hoje reúne jovens LGBTQIA+, negros e negras praticando e que consigo trazer em uma série de debates, questionamentos, reflexões sobre a questão de gênero e de raça, sobre a questão de disputa de espaço. A gente vê o quanto é potente e o quanto precisa ser pulverizado no sentido de mais pessoas terem acesso a isso que acontece, porque uma elite intelectual pode não ter percebido esse fenômeno e quanto é potente, ou talvez, não tenha dado o devido valor a essa grande potência. Então, Pelada é o primeiro dessa trilogia. É um espetáculo de humor que mostra todo o questionamento que vai estar ali de uma forma leve, divertida, interessante e instigante.

O Angu traz esse questionamento com uma outra pegada – não faz parte do Coletivo Preto. Nele,  eu estou como ator, mas é um projeto que foi desenvolvido pelo ator Alexandre Paz e o espetáculo é nós dois como atores com direção do Fabrício Boliveira e texto do Gil Bilac. A gente quer trazer essa questão “Quem são os heróis pretos gays?” que existe ou existiram na história, do nosso país. Usando um exemplo rápido, pensando no Jorge Lafond com sua personagem Vera Verão, eles marcaram uma época, uma ou duas décadas, e o quanto que esse artista foi transgressor e que, se a gente não tiver cuidado, ele vai ser apagado da história. É uma história de um artista que mesmo vivendo em um país racista e homofóbico, conseguiu entrar na casa de quase toda a população brasileira. Foi o primeiro “rainha de bateria” do carnaval. Então, foi um artista que quebrou vários paradigmas, à frente do tempo, e para quem a gente precisa olhar. Não só para ele. Mas, assim como ele, outros em outras proporções e poder dão a magnitude desses feitos. Pra gente não apagar nossa história, a história das bichas pretas gays no Brasil.

São projetos muito potentes que fala sobre um Brasil que é pouco visto e que me instiga muito como artista trazer esses temas para a superfície – esses temas que ficaram “por baixo do tapete”.

Quais suas vaidades como homem e artista? É muito novo esse lugar da vaidade, de me entender nesse lugar de beleza e potência. Eu acho que faço parte de uma geração que ficou muito marcado por essa invisibilidade, por uma luta muito grande em poder se achar, se entender em um espaço de uma potência de beleza, se entender bonito. Pensar a estética não em um lugar vazio e fútil, mas como parte desse todo, foi muito tardio esse lugar da minha vaidade e eu tenho entendido muito, tenho recorrido muito. A moda, de um modo geral, como um lugar pra reforçar, primeiro pra mim mesmo meu lugar de potência, como um homem belo. A beleza que me foi negada durante muito tempo, na condição de homem negro que não estava associada dentro da minha ou quem sabe, não no meu íntimo. A sociedade colocava muito isso que a negritude e a beleza não andavam juntas. Hoje, eu vejo a moda pra reforçar esse lugar de beleza sim. Pensando, por exemplo, na minha fé, a divindade que eu cultuo é a da beleza, pensando Oxum, que é a mãe das águas doces que tem essa questão do espelho, da beleza. Então, é retornar à essência, é olhar para uma coisa que sempre esteve presente. As minhas vaidades, a moda – tenho uma marca de saias masculinas chamadas galo solto. Sou um dos criadores dela. Eu entendo que a moda sirva para a gente dizer algo e se colocar em um tempo e espaço de uma forma única e particular. Dizer “eu sou essa pessoa, eu quero ser visto dessa forma, eu estou dessa forma”. Minha vaidade quanto artista, é estar em poder de acessar o público. Eu  me sinto muito feliz e busco sempre ser notado como um artista relevante que comunica.

Quem é Orlando Caldeira na fila do pão? (risos) É um cara que só pensa em trabalho (risos). Um cara que se entendeu como a sua missão nesse plano é a de se comunicar. Eu tô a serviço do público, de contar uma história, de fazer reflexões, de trazer a calma ou o agito, fazer o mar ficar revolto. Enfim, é alguém que tem um compromisso – muito fiel, com a arte.

Fotos @luizbrownfotos

Stylist @ramosspatrick

Assessoria de Imprensa @mercadocombr / @filhoribamar