ENTREVISTA: ALEXEI WAICHENBERG – UM HOMEM DE CULTURA ADIANTE DO SEU TEMPO

Por Berê Biachi

Um homem multi talento, Alexei Waichenberg, nascido no Rio de Janeiro, jornalista por formação sempre foi um inquieto. Ao longo de sua trajetória foi desenvolvendo várias outras atividades, tais como dramaturgo, diretor de teatro e cinema, roteirista, produtor de música e TV. E como se não bastasse, atualmente atua como marchand de artes visuais em Portugal. Seu novo projeto, o Tropical Hub, é uma casa de cultura brasileira, no Porto. Um local para artistas poderem se apresentar para essa plateia culta e generosa de portugueses e imigrantes. Conheça um pouco mais desse cara que respira cultura 24 horas por dia e tem se dedicado a levar a arte brasileira mundo afora.

Você foi considerado o marchand mais jovem do Brasil aos 20 anos de idade. Conta como foi isso? Eu comecei minha trajetória muito cedo. Fui criado pelos meus avós e vivia num ambiente muito rico de cultura. Aos 16 saí de casa para viver sozinho. Aos 17 anos entrei enquanto cursava jornalismo já estava estagiando na Rádio MEC. Colocamos o canal de FM no ar e logo me tornei produtor de música erudita na casa. Trabalhei com feras como o Maestro Alceu Bocchino, Miguel Proença, Nelson Tolipan, Zito Batista Filho, Lilian Zaremba, Isaac Karabtchevsky e muitos outros. Eu tinha um bom conhecimento de música e um texto fluido o que me levou a colocar 3 programas autorais no ar simultaneamente. Enquanto isso acontecia, minha atração pelas artes plásticas só aumentava. Eu frequentava os ateliers de artistas daquela época e sempre que sobrava uma graninha comprava uma tela que expunha com vaidade nas paredes do pequeno quarto e sala no Leblon. Me associei a um escritório de arte e decidi fazer uma primeira exposição coletiva. Nessa altura, conheci Carlos Scliar, um pintor gaúcho de Santa Maria com um trabalho notório e prestigiado. Convidei-o a expor um de seus quadros na minha coletiva. Nessa ocasião, já com 19 anos, levei uma bronca do artista, que me disse que o que eu estava fazendo não era uma coletiva e sim um amontoado de obras que apenas me atraiam. 3 passos para trás e resolvi levar a coisa a sério. Montei uma galeria de arte na Lagoa, que tocava enquanto escrevia e apresentava meus programas na Rádio. Então surgiu a oportunidade de fazer uma exposição de artistas brasileiros em Paris. Agora. Com todo critério, mereci essa página na Revista de Domingo (Jornal do Brasil), que dizia isso que você me perguntou. O mais jovem marchand do Brasil.

E essa relação com o Scliar, continuou? Porque todos nós sabemos, que a essa altura, o trabalho do Scliar estava entre os mais importantes no Brasil e no mundo. Essa pergunta é uma delícia. Scliar era um rabugento. Um artista difícil, mas um gênio. Pintava casarios no atelier de Ouro Preto e Flores e objetos no atelier de Cabo Frio. Um dia estava na sua casa no Leblon e tocou o telefone. Ele pediu que eu atendesse. Era uma senhora que queria encomendar uma tela com flores amarelas. Ele então me pediu que anotasse o pedido e em seguida me apontou a caderneta de telefones. Pediu que eu abrisse na página da floricultura e mandasse entregar um bouquet amarelo no endereço da tal senhora. Mais uma aula. Não se encomenda nada a um artista. Com o convívio me tornei representante da sua obra. Ao longo de toda vida, o Scliar teve apenas dois marchands e o filho Francisco que administrava todas as vendas. Vendi obras dele até o fim da sua vida e até hoje garimpo as melhores obras pelo mundo todo. Tenho comigo segredos e vou revelar um apenas. Toda vez que você se deparar com um quadro do Scliar contendo um bule azul, saiba que essa obra para ele tinha qualquer coisa de especial. Noutro dia encontrei um bule azul no leilão e tratei de comprá-lo imediatamente. Hoje ele pertence ao engenheiro Aurelio Tavares, um grande parceiro e amante das artes que encontrei quando vim viver cá em Portugal há 2 anos e meio. Transmiti ao Aurélio a minha velha paixão pelas artes plásticas e hoje, posso garantir, que ele é dos maiores colecionadores de arte brasileira em Portugal.

E a música? Você ficou só no erudito? Porque eu sei que sua casa era frequentada pelos maiores nomes da música popular brasileira. Olha, pra mim eles são todos eruditos. Minha casa era frequentada pelos Caymmi, Tom, Vinícius, Rosinha de Valença, Bethânia, Miucha, Chico, Manoel da Conceição, Gal, Caetano, Milton, Moraes etc. Meu avô, uma época, foi adido cultural do Brasil na França e a segunda mulher do meu pai, uma poetisa que frequentava e recebia todos esses artistas. Apesar da diferença de idade, logo me tornei um dos maiores amigos da Nana Caymmi. De lá pra cá mergulhei na produção de shows e de música. Era uma delícia poder desfrutar de todos esses gênios da música e um aprendizado sem precedentes.

E o teatro, como entrou na sua vida? Bom, eu estudei 8 anos de teatro e canto lírico na adolescência no Colégio Santo Inácio. Fiz diversas peças e cheguei a cantar uma ópera no Teatro Municipal. Mesmo com toda a disciplina que isso exigia, eu cheguei a conclusão que o palco não era pra mim. Claro que o ouvido ficou bom e o olhar sobre a cena era sempre muito crítico. Tempos mais tarde fiz cursos de interpretação para TV e Cinema e nunca abandonei a leitura de música, teatro e história da arte. Só depois de maduro comecei a escrever para o teatro e na sequência comecei a dirigir. A produção eu nunca abandonei. Por 10 anos estive ao lado de Regina Miranda, uma grande coreografa e diretora teatral. Juntos criamos o Projeto Rio Cidade Criativa 2010-2020, no Museu de Arte Moderna do Rio, que culminou com a produção e a direção artística, assinadas por mim, de um projeto chamado Porto de Memórias, que você conhece bem.

Que bom que você citou o Porto de Memórias. O projeto foi um grande presente para a cidade do Rio de Janeiro. Como surgiu a ideia desse projeto? Isso é uma história longa, mas vou tentar ser breve. No início dos anos 2.000 eu tinha uma produtora de vídeo que montei logo depois que saí da Rádio MEC. Eu já havia trabalhado 15 anos na Rádio e precisava de novos desafios. Com essa produtora comecei a atender o Sebrae do Rio de Janeiro, que me fez conhecer o Estado de cabo a rabo. Um dia fui fazer um vídeo institucional nas Fazendas do Vale do Café, a margem do Rio Paraíba do Sul. São fazendas históricas do período do Império brasileiro. Aquilo me enlouqueceu. E, de um vídeo que deveria durar 8 minutos, fiz um longa documentário, que me rendeu alguns prêmios e a Secretaria de Cultura do Município de Barra do Piraí. Estou te contando isso tudo, porque numa dessas fazendas eu conheci a filósofa Sonia Mattos, fundadora do Instituto de Preservação do Vale. Nos tornamos bons amigos e Sonia me convidou para levantar o Projeto Porto de Memórias, por ela idealizado. O Porto de Memórias foi uma série de espetáculos teatrais históricos, apresentados a céu aberto na zona portuária do Rio. E recuperava a história do Porto nos lugares onde se deram importantes acontecimentos, que revelam o DNA do Rio de Janeiro. A proposta era audaciosa. Tínhamos que fazer uma espécie de Broadway carioca, com um elenco de quase 100 atores por espetáculo, de diversas etnias, credos e situações sociais. Um projeto inclusivo, com técnicos de som, luz, maquiagem, cenografia, figurino, companhias teatrais de comunidades, bailarinos, cantores e tudo o que você acompanhou de perto como assessora de imprensa, para que nós levássemos aos quase 3.000 espectadores diários a história do Rio revisitada. Fizemos no total 10 espetáculos que eu tive a honra de produzir e dirigir artisticamente. Desses dez, os quatro últimos foram escritos e dirigidos por mim.

Uma vida de cinema essa. Por falar em cinema, qual o seu envolvimento com a sétima arte? Isso é mais recente. Eu fui um dos roteiristas do doc drama sobre a vida do Jorge Guinle e ainda assinei a produção executiva e a primeira assistência de direção. Em seguida fui convidado para produzir um outro doc biográfico, dessa vez sobre a Rogéria.

Alexei, sua inquietação quando o tema é cultura, te fez passar pela música, pelas artes plásticas, pela literatura, pelo teatro, a dança e o cinema. O que fazer com toda essa experiência, tendo em conta, que você não abandonou nenhuma das artes que visitou? Pois é, com toda a dificuldade que vive a cultura do Brasil, eu decidi vir morar no Porto, em Portugal. Não sabia, confesso, o que iria encontrar. Já tinha tido a experiência de viver na França por quatro anos, mas o Porto me conquistou. Em menos de três meses por aqui, fui convidado a subir no palco do Teatro Rivoli e representar os brasileiros num espetáculo com 99 outros formadores de cultura. Um mês depois eu já era o Embaixador do Festival de Danças e de Teatro da Península Ibérica. Um reconhecimento, que você há de convir, no Brasil levaria uma vida de trabalho.

E o Tropical Hub? O que é exatamente esse novo projeto? A ideia de um hub cultural surgiu dessa minha necessidade de estar próximo das diversas manifestações de arte brasileira. O Tropical Hub é uma casa de cultura brasileira, no Porto, para os nossos melhores artistas poderem se apresentar para essa plateia culta e generosa de portugueses e imigrantes. Escolhemos, eu e meu parceiro nesse empreendimento, o engenheiro Aurelio Tavares, uma casa na Foz do Douro, de frente para o mar, com um jardim de quase 1.000 metros quadrados. Uma espécie de clube fechado, exclusivo para convidados, que abriga uma galeria de arte, espaço para música, teatro, dança, cinema, aulas de arte e de interpretação e ainda para gastronomia.

E qual a programação inicial da casa? Acabamos de apresentar o FESTin, maior festival de cinema da língua portuguesa. Foram 5 dias de exibições de filmes e, mesmo com toda essa loucura da pandemia, tivemos cerca de 50 convidados por dia na plateia. Ainda em outubro vamos ter, no dia 20, um seminário sobre a Amazônia sustentável, que marca também a inauguração do Instituto Amigos da Amazônia, que vai instalar sua sede aqui no Tropical Hub. Temos a partir do dia 28, uma Oficina Regular de Interpretação para TV e Cinema, ministrada pelo ator e diretor brasiliense Thiago Schreiter.  Claro que vou dar meus pitacos. Em novembro vamos ter uma exposição individual, de Leandro Figueiredo, na Galeria 22, uma homenagem que fazemos à Semana de Arte Moderna de São Paulo, e pequenos concertos musicais, além de constantes eventos gastronômicos. Depois, em dezembro será a vez da ceramista portuguesa Sofia Beça, ocupar a Galeria.

Alexei, quero agradecer a entrevista e desejar imenso sucesso à essa nova empreitada.  Berê, eu que agradeço a parceria e ao editor da MENSCH, André Porto, com esse nome sugestivo, por poder mostrar aos nossos irmãos um pouquinho da minha trajetória e aproveito para convidar a todos os amigos a viverem essa experiência tropical cá na terrinha.