ENTREVISTA: DANIEL KLEPACZ E A MÚSICA

O paulista multitalentos Daniel Klepacz, 34 anos, tem uma trajetória no mínimo curiosa. Empresário da indústria cosmética, descobriu sua paixão pelas artes em 2012, ao fazer um curso de teatro para executivos na FAAP. Quando foi “mordido pelo bichinho do teatro” e seguiu conciliando sua carreira com os estudos de atuação metódica, especialmente o método Meisner pelo Instituto BeTrue. Descobriu sua vocação pelo canto quando se aventurou no teatro musical e em 2013 começou a fazer aulas de canto, para aprimorar seus conhecimentos de música. Na sequência vieram alguns projetos marcantes no teatro com o musical “Beatles Num Céu de Diamantes”, nas duas últimas temporadas em SP, a Ópera “Don Quichotte” em 2016, onde inclusive se apresentou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Como ator e modelo, faz diversas campanhas publicitárias para marcas importantes. Após o nascimento de sua primeira filha, diminuiu o foco no teatro, porém seguiu com o canto, onde descobriu um grande talento. Atualmente está em processo de construção da sua voz lírica para cantar ópera. Por ser judeu praticante, começou a ser convidado por amigos para cantar nas cerimônias de seus casamentos. Onde pôde aliar seus talentos e a paixão pela música, começando assim a investir na carreira de Chazan. Aliando o litúrgico tradicional aos seus conhecimentos de voz para música pop, teatro musical e canto lírico, sua vontade é trazer inovação e ainda mais emoção para um evento tão especial, que é o casamento.

Daniel, sua trajetória como ator surgiu de forma inusitada, digamos assim. Você era um empresário da indústria de cosméticos quando se descobriu ator. Como foi esse processo? Na verdade, eu estava em processo de transição de empregos e um pouco desanimado. Fui assistir a uma apresentação de teatro de uma amiga na FAAP, como conclusão de um curso livre. Depois da apresentação fomos jantar e ela me contou sobre a experiência. Fiquei muito instigado e me inscrevi na turma seguinte. Era um curso noturno, para iniciantes, porém tivemos o privilégio de sermos ensinados e depois dirigidos pelo Marco Antônio Pamio. Fizemos Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues. Esse primeiro gostinho de teatro despertou um lado em mim que eu não conhecia direito. O Pamio viu aquela minha transformação ao longo do curso e me incentivou a aprofundar e explorar mais esse meu lado artista. Continuei com minha carreira na indústria cosmética (até hoje) porém fazia minha agenda para conciliar cursos e depois trabalhos, sem grandes pretensões, apenas para me descobrir como artista. Foi um processo longo, afinal, eu não tinha a disponibilidade para me dedicar 100% ao teatro. Perdi algumas oportunidades, precisei ser mais seletivo, mas quando comecei essa trajetória eu havia estabelecido que ela seria um hobby. Acabei transformando esse hobby em mais uma carreira, que me traz um enorme senso de completude. 

E de cara veio a paixão pelo teatro musical que requer ainda mais técnica e dedicação. Como foi sua evolução dentro desse universo, até então inexplorado? O teatro musical me deu uma memória de infância que ficou cravada na minha cabeça (e no coração). Em 2001 fui com meus pais e meu irmão assistir Les Miserables, no então teatro Abril. Aquela experiência plantou uma semente em mim que ficou adormecida e ressurgiu quando resolvi me aventurar num curso de montagem de musicais, sem conhecer ninguém e sem ter tido nenhuma aula de canto. Nas primeiras aulas pensei em desistir… tinha muita gente boa lá e eu não tinha a menor noção de música. Não sabia abrir voz. Mas era afinado. Me dediquei a estudar as músicas, cantar com mais segurança, e as pessoas que tinham experiência viram um potencial em mim e começaram a me ajudar. Nesse processo, por indicação de alguns amigos, comecei a fazer aula de canto com a Amélia Gumes, que acabou sendo minha professora por anos e é a grande responsável por ter me dado toda a base que eu tive para o canto. Nesse curso, acabei fazendo um dos personagens principais. Fiz grandes amigos, e comecei a me embrenhar nesse mundo dos musicais. Depois disso, comecei a construir repertório, estudar mais e me aventurar nas audições. 

E junto com o teatro e a atuação, veio o canto. Como foi esse novo desafio que veio através da música? O começo foi muito frustrante. Eu não tinha a menor noção do que fazia, parecia que não saía do lugar, e ficava com uma sensação que o esforço era em vão. Mas, na verdade, eu precisava construir minha musculatura pro canto. É como ir na academia. Precisa treinar, levantar peso, trabalhar grupos musculares diferentes, e precisa de tempo e dedicação. Depois que meu corpo aprendeu essa nova maneira de usar a musculatura pro canto, fui ampliando repertório, trabalhando técnicas diferentes para outros estilos de música e o processo passou a ser não apenas divertido, mas extremamente terapêutico. Eu descobri uma capacidade de ter um olhar interno pra minha musculatura durante as práticas e exercícios vocais, e hoje tenho muito mais facilidade em alcançar objetivos, quando trabalho algo novo. 

Ainda por cima, você mantinha seu lado empresário em ação. Como conciliava isso tudo? Na época eu tinha bastante flexibilidade de horário, e não tinha muitas responsabilidades além do trabalho. Dava pra conciliar bem. Como eu disse, tinha que ser bastante seletivo nos desafios que eu embarcava, porque o teatro requer dedicação de tempo, e emocional também. Existem processos muito difíceis, pesados física e emocionalmente. Nesse meio tempo eu fiquei noivo, casei e em 2018, minha esposa engravidou enquanto eu estava em cartaz. Conversamos sobre prioridades e objetivos e resolvi dar um tempo do teatro. Queria ser um pai presente e sabia que não podia arriscar meu emprego, pois as contas iam aumentar e muito! (risos). 

Você estudou muito o método Meisner pelo Instituto BeTrue. Como funciona? No que consiste e como serviu para você? Eu costumo dizer que dei muita sorte na minha trajetória artística. Com pouco tempo de experiência, cruzei com pessoas extremamente capacitadas que me transformaram e impulsionaram a conquistar coisas que eu sabia que, normalmente, levavam anos para conseguir. A Ana Paula Dias é uma dessas pessoas. Um ser humano transformador. Eu participei de uma das primeiras turmas de Método Meisner que ela montou. E não larguei mais (risos). É um método que te dá ferramentas concretas para treinar escuta e viver o presente, trabalho de texto e criação de personagens. O lema do Stanford Meisner é “Viver verdadeiramente situações imaginárias”. Atuar é viver, e a verdade cênica está nessa presença. Se a gente deixa a cena montada na cabeça, antes dela acontecer e não estar presente, trocando com o outro, a verdade não vem. E é bem difícil se libertar dessas expectativas e pré-julgamentos. Pra isso, existem as ferramentas. Depois, é uma questão de trabalho, treino, repetição. 

Dentre suas estreias no teatro, grandes espetáculos como Beatles Num Céu de Diamantesem SP, participou da Ópera Don Quichotte no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Que recordações e desafios guarda desses trabalhos? São dois trabalhos que me trouxeram desafios e memórias bem distintas. O Beatles é um sucesso da Moëller & Botelho, um musical super intimista. Em São Paulo, fiz duas temporadas no Teatro Folha, que é relativamente pequeno. Éramos em 8 atores e 3 músicos – sem grandes cenários ou figurinos, mas tinha uma energia absurda. A gente sentia uma troca com a plateia muito forte. Fora que, o clima na coxia era maravilhoso! Só gente fera, eu ficava honrado e meio chocado de estar lá no meio, gostava de ficar admirando os solos dos outros. Era muito bom! O retorno do público era uma delícia. Eu tinha a honra de cantar Something, sentado na beira do palco, na cara da plateia, e eu via como tinha gente que se emocionava. Beatles marcou a vida de muitas pessoas, de várias gerações. Era especial poder transportar as pessoas pra esse lugar. Já a ópera, foi uma mega produção. Eu participei como ator, eu não cantava. As personagens principais eram cantores de gabarito, coro imenso, bailarinos de flamenco, cenário e figurinos dignos de prêmios. Equipe técnica com dezenas de pessoas, orquestra completa. Os ensaios eram bem estressantes. Tinha hora que o bicho pegava, ainda mais quando fomos pro RJ, que trocou o coro e alguns personagens. Tivemos que ensaiar tudo de novo, mas na hora do “vamos ver” a magia acontecia. É algo indescritível estar no palco do Theatro Municipal, vivendo um mundo de fantasia, ouvindo aquela orquestra e aqueles cantores sem microfone, preenchendo o teatro com suas vozes. Isso me fez querer aprender canto lírico. 

Ainda no universo da música, hoje você estuda canto lírico para estrear como cantor de ópera. Que desafios isso te traz e o que te motiva? Eu ainda estou me descobrindo como cantor. O lírico é o estilo mais difícil, que requer mais técnica e estudo. Resolvi me desafiar. Primeiro, porque eu gosto de ópera, me toca e me emociona num lugar que não sei explicar ao certo. Segundo, porque se você sabe o mais difícil, cantar outros estilos fica mais fácil, (risos). Estou construindo minha voz lírica sob a orientação do Professor Walter Chamun. Ele, além de professor de canto, maestro e pianista, é Mestre em Fonoaudiologia. Então, estou super bem amparado e tranquilo para encarar esse desafio. Não estou com pressa –  quero curtir o processo. 

Diria que a música é sua verdadeira paixão? A música me ajudou muito. Me abriu portas mais rápido, do que eu imaginei. Descobri um potencial em mim muito grande e, principalmente, por meus professores, a quem devo tudo. Trouxe a música pra minha casa, me ajudou muito a ninar minha filha quando nasceu. Até hoje, canto pra ela dormir. Com certeza, é uma grande paixão. 

Essa paixão te levou a cantar em casamentos e investir na carreira de Chazan. Como é isso? O Chazan é a pessoa que conduz o cerimonial judaico com música. Ele está presente nas sinagogas para as celebrações religiosas. Na cerimônia de casamento, além do rabino, o Chazan é quem anuncia a chegada da noiva, canta para sua entrada e cumpre algumas tradições musicais durante o cerimonial. A pandemia parou o mercado cultural e também as festas de casamentos. Quando eu retomei minhas aulas, retomei a paixão por cantar, e, recentemente, grandes amigos casaram ou vão casar, e sabiam que eu estava cantando. Como gostam da minha voz, me convidaram para cantar na cerimônia de casamento. Aí tudo se encaixou. Os fornecedores que estavam lá falaram sobre essa lacuna, de falta de opções de Chazan. Então, aliei meus conhecimentos musicais à minha religião, pois é preciso saber cantar em hebraico, e fez sentido. Agora estou com alguns eventos para fazer, e vendo possibilidades de agregar mais serviços ao cerimonial. 

Você chegou a trabalhar como modelo. Isso te deixou mais ligado em moda e estilo? Qual seu estilo e o que não pode faltar no guarda-roupa? Dentre as oportunidades que apareceram quando eu entrei em agência como ator, algumas eram pra trabalhos como modelo, mas meu foco não era esse. Trabalhar com sua imagem requer um certo cuidado em como nos apresentamos. Isso é verdade pra qualquer profissão. Eu procuro tirar o melhor das experiências e incorporar o que faz sentido pra minha realidade e estilo de vida. Acho que meu estilo é clássico, mas divertido. Gosto de camisas estampadas e calças com tons diferentes. Não dispenso um tênis pelo conforto, mas que funcione bem pra looks mais profissionais. Meu novo xodó é meu terno azul, que tenho usado nos eventos como Chazan. Ele traz a seriedade que a ocasião pede e o azul, mostra meu lado divertido. 

Como lida com a vaidade? Do que não abre mão? A vaidade é algo perigoso. Hoje, as redes sociais colocam uma pressão para atingir a perfeição, mas ela não existe. Sou totalmente a favor de se cuidar, uso cosméticos pro rosto, pra arrumar o cabelo, e faço laser para tratar minha rosácea – aceito minhas imperfeições e características inerentes. É uma linha tênue pra cair no exagero. Gosto das minhas marcas de expressão quando abro um sorriso! Por enquanto, não abro mão de sair com o cabelo arrumado e um bom perfume. Por trabalhar também com cosméticos e cabelo, morro de medo de ficar careca (risos). 

Paizão de duas crianças, como é o Daniel pai? Que ensinamentos procura passar, que herdou de seu pai? O Daniel pai aprendeu e evoluiu demais nesses últimos 3 anos, mas ele sabe que ainda tem muito a aprender e evoluir. Sou daqueles que lê bastante, tenta fazer tudo do jeito “certo”, mas acaba se frustrando. Nesse aspecto, minha esposa é meu ponto de equilíbrio. Faço questão de ser um pai presente, divido as tarefas, e amo estar com meus filhos. Nisso, me espelho muito no meu pai. Ele sempre foi presente e sempre foi um grande incentivador. O papel de pai é esse. É um amor que não tem igual, a gente quer proteger e fazer tudo pelos nossos filhos, mas criar e educar é dar pros filhos essa autonomia pra serem quem eles são. 

Na hora de relaxar o que faz sua cabeça? Sair de São Paulo e respirar um ar puro sempre me ajudou a relaxar. Mas agora, com duas crianças, o que dá pra fazer é, depois que eles dormem, deitar no sofá com minha esposa e assistir uma boa série, sem ter que pensar em mais nada. É aquela horinha preciosa no final do dia em que não temos nenhuma obrigação. 

Quais os planos para os próximos meses, já que a normalidade está deixando tudo mais possível dentro de sua área? Estou estruturando esse projeto de Chazan, seguindo com as aulas de canto e comecei a aprender piano, também. Ainda tenho um sonho a realizar que seria atuar numa série ou longa-metragem. O audiovisual também é algo que me encanta e queria ter essa experiência.