ENTREVISTA: MARCELO VARZEA EM TODAS

Marcelo Varzea está em todas. Aos 55 anos de idade e 32 anos de carreira, o ator, diretor e dramaturgo pode ser visto atualmente em “Temporada de verão”, da Netflix, como Elias, o sócio desagradável e “dinheirista” do hotel Maresia, na segunda temporada da série “Aruanas’, da Globoplay, onde dá vida a um político debochado envolvido numa CPI e em “O mundo curiozoo”, da Dicovery Kids. Além disso, está nos filmes “Pixinguinha”, no Telecine, “A garota invisível 1 e 2”, da Netflix, “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais”, na Prime Video. E, desde o dia 3 de maio, pode ser ouvido na áudio série “Batman o despertar”, no Spotify, onde dá vida a Dr. Hunter.  

E não para por aí, atualmente, Marcelo está rodando a série “Rota 66”, da Globoplay, e finaliza o roteiro de um longa para o cinema – “Afã” – uma peça  – “Ganância – Um Cassino de Crueldades” – e se prepara para uma participação especial em uma série sobre a vida da dupla Chitãozinho e Chororó, também da Globoplay. Além de levar à cena a partir do dia 13 de maio, no Sesc Pinheiros, em SP, a performance “O que meu corpo nu te conta?” – espetáculo do Coletivo Impermanente, companhia que dirige e faz o trabalho textual. Para saber um pouco mais dessa rotina de trabalho, a MENSCH bateu um papo com esse cara que não pode reclamar da falta de trabalho (risos).

Marcelo, 32 anos de carreira  e atualmente podemos ver seu trabalho na Netflix, na Globoplay, na Prime Video e você ainda está rodando e vai lançar novos trabalhos nessas plataformas. Como avalia sua trajetória e o que pode dizer desse seu particular momento profissional? Realmente, estou num momento de ouro e tenho muito a agradecer e a refletir. Em 2017 andava chateado com meu caminho. Estava bem-sucedido, fazendo novelas e musicais de grande sucesso concomitantemente, ganhando dinheiro, mas não estava feliz como artista. Consegui alcançar esses lugares como fruto das minhas investigações no teatro, na ousadia da criação….o tempo passa, virei pai, quis uma vida mais confortável e quando vi, ao invés de eu ter o que oferecer, esperava o telefone tocar – e ele tocava- e então me adequava às expectativas do mercado. Aos poucos, fui tendo rótulos. Passei anos como comediante, depois como ator de musical, ator dramático…agora estou numa fase que tende aos vilões e aos policiais, coisa que nunca pensei.  Então, lá no fim de 2017, meu pai morreu, eu estava com 50 anos e decidi dar uma guinada nesse barco. Minha companheira, Vavá Zamboni, topou a loucura. Escrevi meu primeiro texto, na sequência vieram outros, fiz um monólogo, voltei a escolher personagens, retomei a direção cênica depois de mais de quinze anos, voltei a dar aulas, tenho textos em 3 livros publicados….. Acho, então, que esse mar que eu revirei me deu esse caldão.

Você é um cara que está sempre na ativa, envolvido em diversos projetos, mas pouco faz TV aberta. É uma escolha? E como você percebe o avanço do streaming para os profissionais do audiovisual brasileiro? Sim, acho que isso é da minha natureza. Estava amortecido. Me sinto como se tivesse ligado todas as minhas turbinas e estou fazendo um vôo muito bom. Não fazer tanta TV aberta é tão relativo…acho que não tive grandes oportunidades e, por isso, não está no subconsciente, mas fiz muitos trabalhos. Depois de um tempo a decisão foi de não fazer mais personagens que eu não gostasse, que não me desafiassem. Preciso pagar as contas, claro. Mas pra um artista trabalhar só pelo dinheiro é uma pequena morte. Não dá pra ser idealista 100% do tempo, mas poder fazer escolhas, é maravilhoso. O avanço do streaming é sensacional, apesar de vivermos sob um governo medonho, burro, despreparado e vingativo com o setor cultural. Tenho, inclusive, escrito roteiro. Não depender só da TV aberta, especialmente dos bons produtos da TV Globo, é uma benção para todo o mercado.

Dizem que crise é sinal de oportunidade e você não parou de trabalhar, de criar projetos na pandemia pro teatro online, escreveu livros… Como foi esse período de forma geral pra você? Eu pensei: “A hora é essa! Profissionalmente, estaremos todos no mesmo barco, com as mesmas possibilidades. Ou seja: na merda. Então vou sair remando” consegui salvar a minha sanidade, abrir frente de trabalho, formar novas parcerias enquanto sofria com absurdos do Planalto frente às medidas de contenção da pandemia no Brasil, a fome, às mortes e o descaso com a ciência. É péssimo e estranho falar que foi um bom tempo profissionalmente. Estava destruído e sentado sobre todos os meus privilégios.

E quais os projetos que ainda veremos seus gerados no meio desse caos? Em breve estreio “O que meu corpo nu te conta?”, um espetáculo da minha companhia, o Coletivo Impermanente, onde atuo como diretor e dramaturgo. São narrativas auto ficcionais sobre a história daqueles corpos. Todos nus. Mas não é um espetáculo erótico ou provocativo. Fala sobre memória, dor, morte e acolhimento. 

Também estou terminando mais um tratamento do roteiro do longa “Afã”, escrito a partir de um texto que fiz pro teatro. Comigo, na sala de roteiro estão Giovana Soar, Marcus Soares e John Marcatto. E estou gravando outras séries de streaming que não posso dizer ainda. Acabei de lançar um livro de crônica junto com outros vinte escritores chamado “Tempus Fugit”, um projeto da Marcela Esteves e da Luciana Neiva. Eu adorei fazer.

Você é diretor de uma Cia de Teatro que está preparando um novo espetáculo. Como é estar à frente de uma cia teatral em um momento tão crítico da cultura nacional? E fale mais dessa peça que está por vir. Conheci a maioria desses atores durante a pandemia, numa oficina que ministrei. Artistas de vários estados, foi tão potente que não desgrudamos. É maravilhoso sonhar juntos. É muito bom poder trocar. E a peça está ficando pronta, como disse acima.

Observando suas redes sociais, vemos que você é bastante ativo nelas. Como essas novas mídias têm ajudado ou até atrapalhado seu trabalho? Eu acho que elas só têm ajudado. Atrapalham se eu deixo que elas tomem meu tempo e tirem o foco.

Vemos que você sempre se posiciona bastante politicamente. O que espera de um possível novo governo em relação aos artistas e às artes brasileiras? Eu espero que essa gente suma do mapa,   sinceramente. Não consigo gostar de gente que não acredita em ciência (essa frase por si só é uma loucura sem fim), gente que mente, que promove ódio, tem pavor de inclusão e desconhece empatia. Fora isso, se quem assumir o governo tiver humanidade e apostar de fato na educação e cultura tudo pode mudar. Mudar. Eu tenho muita saudade de ter orgulho do meu país como oitava economia do mundo, de ter um presidente aplaudido em congressos mundiais, empresas investindo aqui, a classe C emergindo, os pretos na universidade. Esse é o país que eu quero. Uma liderança que fale com amor e pregue o amor. Não quero um super-herói que eu não possa jamais criticá-lo. Ninguém vai nos salvar. O exercício da cidadania é individual, assim como o da ética. No coletivo se formos éticos e bons cidadãos a coisa rola. Mas o presidente do país tem que dar o exemplo.

Quais seus sonhos pessoais e profissionais que ainda não concretizou nessa longa e consistente trajetória? Ter projetos patrocinados, ganhar editais públicos, fazer um grande personagem no cinema, ter uma marca como diretor e fazer com que as pessoas entendam que você pode ser comediante e ator dramático ao mesmo tempo. Que se pode ser plural: canto, escrevo, dirijo, atuo, dou aula, faço locução, produzo… A gente pode ser tudo.

Há 10 anos você posou para a MENSCH. O que Marcelo Varzea daquela época diria para o Marcelo Varzea de hoje? E como se vê daqui 10 anos? Eu diria: “Se joga e vem que vai ser bom a beça! Tira das mãos dos outros o poder de decidir sobre a sua carreira! Pega as rédeas!” Não tenho a menor ideia de como estarei daqui dez anos. Bora fazer mais uma matéria em 2032?

Como foi gravar a áudio série “Batman” para o Spotify?  E fale um pouco do seu personagem, como se preparou para ele. Foi um encontro maravilhoso. Ser dirigido pelo Daniel Rezende é sempre um alento. Um dos raros exemplos de bons diretores que entendem o processo de cada ator e tem habilidade é vocabulário adequado para nos conduzir bem. Não me preparei. A gente tem muito elemento nas nossas cabeças a respeito do universo do Batman e seus vilões ou parceiros. Confiei na minha intuição, nos bons parceiros de cena e na potencia criativa do Daniel e da Marina Santana, a co-diretora. Como faço o psiquiatra do Bruce Wayne, abri minha escuta (física e metafísica) pra captar tudo que eu pudesse perceber na voz do Rocco Pitanga. Deu certo. Quando encontrei com demais parceiros repeti o procedimento e foi ótimo. Dr.Hunter é um personagem maravilhoso, cheio de mistérios e que tenta desvendar os mistérios da mente humana. Qualquer som, qualquer vacilada, respiração alterada me interessavam. Como uma conquista, o caçador diante da caça.  

Como você observa essas novas mídias na dramaturgia? Eu sou muito atento. Adoro podcast, audiosserie, YouTube, reels… Só não tenho saco pra dancinhas e pessoas trocando de roupa no Tik Tok.

fotos KIM LEEKYUNG