ESTRELA: DESCOBRINDO BÁRBARA COLEN

É difícil falar de Bárbara Colen sem falar de cinema e dos importantes papéis que interpretou. Conhecida por sua atuação em “Bacurau”, longa de Kleber Mendonça Filho, que lhe rendeu duas indicações de melhor atriz em dois grandes festivais brasileiros, Bárbara tem uma bela trajetória na sétima arte e acaba de estrear como protagonista de “Fogaréu”, filme de Flávia Neves, que ganhou o prêmio de melhor filme dentro da mostra Panorama do Festival de Berlim.


Na TV, atualmente, a atriz vive seu primeiro grande papel ao integrar o elenco principal de “Quanto Mais Vida Melhor”, novela das 19h, na pele da sensível e sofisticada Rose, ex-modelo internacional que se vê dividida entre o amor do marido Guilherme (Mateus Solano) e do jogador de futebol Neném (Vladimir Brichta). Mineira, de Belo Horizonte, Bárbara também é advogada- se formou em Direito pela UFMG, mas sempre viu na atuação a sua real paixão.

Pós-graduada no curso de “Ideación y Narrativa Audiovisual”, ministrado pela Universidade Autônoma de Barcelona, e formada pelo curso técnico de Teatro do CEFAR (Centro de Formação Artística), Bárbara, aos 36 anos, já possui uma extensa carreira como atriz de cinema e teatro. Atuou em outras importantes produções cinematográficas, como o longa Aquarius, e em diversas peças de teatro. E não para por aí! No campo das séries, depois de estrear em “Quanto Mais Vida Melhor”, a atriz também está no ar em “Hit Parede”, série disponível pela Globoplay e Canal Brasil, no papel da protagonista Lídia.

Com a pandemia, as novelas precisaram ser totalmente gravadas antes de irem ao ar e foram entregues como um produto fechado. Como foi a experiência de gravar sua primeira novela em um formato tão atípico? Foi bem difícil. Primeiro, porque minha família é de fora e eu estava sozinha no Rio. Com os protocolos da pandemia só podíamos viajar apenas uma vez ao mês e de carro. E estávamos no auge das restrições de socialização, o que deixou o processo ainda mais solitário. Segundo, por que para nós atores, é essencial poder se ver, entender o que se está fazendo e como isso está reverberando no público. Ainda mais em um processo tão demorado como em uma novela. A atuação é, essencialmente, um processo que se faz às cegas. Você vai fazendo, tateando, confiando no seu instinto, no colega de cena, na direção, mas nunca tem real dimensão do que está sendo feito. Mas quando se tem contato com a repercussão da história no público, isso te dá uma clareza maior de onde se deve insistir, do que precisa ser mudado… O que não era possível no nosso processo. Quando a novela estreou, acho que eu tinha visto umas três, quatro cenas da Rose. Estávamos gravando há 12 meses e várias coisas mudaram nesse processo. Eu mudei imensamente, até em termos físicos, então não tinha nenhuma noção de como estava o arco da personagem. E isso era assustador. A pandemia nos ensinou bastante sobre resiliência: não adianta nos revoltarmos, precisamos aceitar as novas limitações e seguir vivendo apesar delas. Naquele momento, gravar a novela em tal formato era a única maneira de seguirmos trabalhando e apresentar novas histórias para o público. Então, acho que está tudo bem. E que bom que foi feito.  

E como tem sido se ver diariamente atuando? Sua relação com a sua atuação mudou? Você é muito exigente ou crítica com você mesma? Demais! Sou muito exigente e perfeccionista. Estou sempre com o chicotinho da autocrítica preparado. E foi extremamente difícil no início porque, como tudo já estava gravado, não havia nada que eu pudesse mudar. Era simplesmente ver, entender o que eu gostava, ou não, e aceitar. Isso me fez aprender muito em termos de abrir mão do controle, de ser mais livre em relação ao desejo de “acertar”, até porque é impossível definir certo ou errado no campo da atuação. Mas, apesar disso, acho que tem sido um processo de amadurecimento bem positivo, principalmente no sentido de aprender a lidar com as críticas. Me vejo agora mais forte para separar o julgamento alheio daquilo que acho bom ou ruim. Hoje uso o meu julgamento como o parâmetro mais importante. Meu desejo, agora, é levar os processos de uma maneira mais leve, sem tanto peso e autocobrança. Até para me sentir mais livre para tentar novas coisas, buscar personagens diferentes, assumir novos riscos… Isso é o que mais me apaixona nessa profissão.

Conte para nós como é o seu processo de criar as características de uma personagem? Para mim, o texto sempre é a grande bússola, é de onde tento extrair o maior número de informações possíveis. Geralmente, os roteiros trazem uma descrição inicial da personagem em linhas gerais, bem sucintas. Dentro disso, o próprio texto vai dando o caminho: as cenas, a maneira como a personagem se relaciona com as outras, suas ações, a linguagem que usa, o lugar onde vive, o histórico familiar, a profissão… A leitura do texto é meu momento inicial e vou para ela da maneira mais “limpa” e aberta possível. A partir daí, é ir para o mundo. Olhar para as pessoas, conversar com elas, olhar para os lugares, ouvir música, sentir o vento. Tentar não estabelecer definições apressadas e esperar a personagem ir chegando como ela quiser ser.

Depois de tantos projetos no cinema, de estrear a sua primeira novela, como você descreveria esse momento da sua carreira? O que deseja fazer a partir de agora?  Eu amo atuar e sempre fui completamente apaixonada pelo ofício desde o início, mas acho que o tempo aumentou a intensidade da minha relação com essa profissão. Sinto que agora estou em um momento muito curioso de reavaliação de tudo. Nos últimos seis anos foi emendando um projeto atrás do outro, o que foi ótimo porque sou meio workaholic, adoro estar imersa nesse fluxo do trabalho, é algo que me absorve completamente. Mas, em alguns momentos na carreira, acho que precisamos parar, analisar o que está sendo feito e nos conectarmos com nossas novas vontades. E é isso que tenho feito agora. Tem sido um momento bem introspectivo, de escuta realmente. Tenho lido muitos livros sobre atuação, visto várias entrevistas (adoro ver entrevistas de atores) e tenho escrito bastante também. No próximo mês, iniciaremos o projeto de um longa-metragem em Minas Gerais que se chama “O Silêncio das Ostras”, com direção do Marcos Pimentel. Estou bem feliz de voltar para o cinema, já estava com saudades.

Você esteve recentemente no Festival de Berlim para a estreia de “Fogaréu”, longa-metragem goiano com a direção de Flávia Neves, que foi selecionado para a Mostra Panorama. O filme foi bem recebido pelo público internacional? Voltar a um Festival de Cinema Internacional foi uma grande alegria e me fez sentir que ainda estamos vivos. Tanto no sentido de arrefecimento da pandemia – voltar a poder estar presencialmente em um festival, viajando e em contato direto com o público -,  quanto no sentido de que nosso cinema ainda está pulsante, ao ponto de termos vários filmes brasileiros em um Festival tão importante quanto a Berlinale. Acho que existe, no público internacional, um interesse imenso pelas nossas histórias. O Brasil é um país paradoxal, complexo e isso traz para os filmes uma profundidade e infinitas camadas e nuances. A minha sensação é a de que os estrangeiros ficam meio atordoados com nossos filmes e que não sabem se colocar muito bem diante de modos de viver e pensar tão únicos. Acho que o cinema é uma potência, uma riqueza realmente desse país.

E como você avalia o momento atual do cinema brasileiro? Estamos atravessando um momento duríssimo para o Cinema Nacional. O que é difícil de aceitar porque é uma indústria que ia de vento em popa, crescendo e se solidificando, produzindo filmes importantíssimos e reconhecidos internacionalmente. O que está acontecendo agora é muito triste. Os profissionais do cinema estão tendo que lutar com uma burocracia interminável para entrar com novos projetos ou para receber fundos de projetos que já tinham sido aprovados. A minha sensação é de que a burocracia é a nova roupagem da censura, e uma censura muito eficaz porque vem disfarçada. O governo não pode dizer abertamente: “vamos acabar com o cinema nacional”. Então, no lugar disso, vão criando impedimentos e dificuldades, exigindo uma papelada infinita, estendendo os processos de concessão dos fundos indefinidamente até que as produtoras fechem e as pessoas desistam. Vários profissionais com um currículo extenso estão mantendo seus projetos engavetados e não têm nenhuma perspectiva de quando conseguiram filmar novamente. E o que mais me revolta é a irracionalidade disso tudo porque o Cinema Nacional é uma indústria super lucrativa. Antes da pandemia, o setor empregava 98 mil pessoas em todo o país e gerava uma receita de 25 bilhões por ano. Isso é maior do que a participação da Indústria Farmacêutica. Então, de fato, não é possível imaginar outro argumento que não seja o de viés ideológico para desestimular o investimento no Cinema.

Como você lida com as redes sociais? Se sente obrigada a postar/compartilhar? Ando em um momento de profunda reflexão, filosófica e política sobre o papel das redes sociais na minha vida. Tenho 36 anos e sou de uma geração que teve uma infância basicamente analógica e que viveu todo o processo de digitalização em que estamos agora. Até os 23 anos eu não tinha internet no celular. E, na verdade, sinto saudades desse momento da minha vida… Eu não conheço uma pessoa que esteja satisfeita com o uso das redes sociais. Alguém que me diga: “Ah! Olhar o Instagram me dá uma tranquilidade imensa, me sinto super bem comigo mesmo depois”. Pelo contrário, a grande maioria das pessoas se queixa por “gastar” tanto tempo de suas vidas com aquilo. E acredito, de fato, que tanto como indivíduos, quanto como sociedade, estamos perdendo gradativamente nossa capacidade de concentração e imersão nas tarefas da vida. Sem contar o sentimento de inferioridade e ansiedade que vem junto com a comparação da imagem idealizada dos outros. E, como artistas, acho que precisamos ter um cuidado na maneira como colocamos nossa imagem. Tenho muito pudor em usar os filtros, por exemplo. Não quero criar uma ilusão de perfeição estética, que gere nos meus seguidores uma insatisfação com sua autoimagem.

Se vê trabalhando com alguma coisa que não seja atuação? Hoje em dia, trabalhar como atriz é praticamente a minha identidade no mundo, não consigo me ver fora disso. De todo modo, no final do ano passado, o Inhotim criou um Podcast novo de seis episódios e eu fiz a narração. Foi algo totalmente novo pra mim, nunca tinha feito nada parecido. Foi delicioso estar nesse lugar da voz, da rádio. Acho que esse é um campo bem interessante, que me dá vontade de explorar mais.

Dá para imaginar que com o seu tipo de trabalho seja difícil manter uma rotina. Você gosta de ter rotina? Como faz para construir a sua? Eu tenho uma relação tão ambígua com a rotina que chega a ser engraçado. Por um lado, adoro a rotina e sinto que ela me tira ansiedade, faz com que eu consiga me concentrar nas coisas, é algo que me acalma. Por outro, sinto que eu preciso viajar, preciso estar em novos lugares, ver coisas que nunca vi. E isso o meu trabalho já me possibilita porque cada set é uma nova história. Mas é uma relação difícil, sim. Em geral, no intervalo entre os trabalhos, fico só dois ou três meses em casa, o que é pouco tempo para se estabelecer uma ordem no dia a dia. Muitas vezes, eu saio dos trabalhos bem desorientada e precisando de um tempinho para voltar para mim mesma, me enraizar novamente. Tento fazer todo o esforço do mundo para me concentrar e me restabelecer o mais rápido possível. Voltar para casa é essencial para eu me manter saudável. Estar com minha família, meus amigos, minhas coisas… Fazer compras, cozinhar, regar as plantas. É quando eu me reconecto comigo mesma. E um ator, especificamente, precisa estar sempre atento a essa conexão.

O que não pode faltar na sua mala quando vai passar três meses gravando um filme? O que leva contigo? Essa é uma boa pergunta! Como sou uma aquariana, costumo ser bem desapegada a objetos, mas fui aprendendo, com o tempo, que era importante para mim ter algumas coisas simbólicas por perto nesses períodos. Eu sempre levo o tapete de Yoga, porque fazer yoga no período de gravações é imprescindível para o meu corpo e minha cabeça. Levo algumas fotinhas das minhas pessoas queridas e tenho mantido sempre uma espécie de altar para meditação. Nos últimos anos, a meditação tem tomado um espaço cada vez maior na minha vida, é algo que me faz um bem danado. E, em períodos de filmagem, que a gente precisa estar muito aberto a tudo, sinto que é primordial ter esse altar sempre que viajo.

O que diria para quem está começando na carreira de ator? Insistam. O caminho é difícil, é longo, exige muito trabalho, muita persistência. Não é algo que acontece do dia pra noite. Não se comparem! Vocês só conseguirão seguir nessa carreira se escutarem e respeitarem sua própria essência.  E se apoiem muito, muito… No final de um dia de trabalho, o apoio que você dá a si mesmo é o único que importa.

Como você se definiria em uma frase? Me definiria, principalmente, como uma grande curiosa pela vida. Sou apaixonada por viver. 

Fotos Luiza Ananias

Assessoria Equipe D