CAPA: JAYME MATARAZZO ALÉM DA ILUSÃO

“Busco chegar a um lugar onde eu tenha conquistado o direito de ser lembrado para os desafios”, Declarou Jayme Matarazzo ao longo dessa gostosa entrevista para a MENSCH. Se diante do seu atual personagem, Tenório em Além da Ilusão, Globo, só podemos afirmar que essa conquista ele já tem. Jayme encarou com excelência os desafios propostos pelo personagem ao longo de sua jornada. Um padre que larga a batina por um grande amor, as barreiras do preconceito em uma sociedade conservadora e a luta pela liberdade. Na vida real Jayme se divide entre o amor pelo filho e sua família, e o trabalho que dá o fôlego necessário para seguir na sua evolução como ator e cidadão. “Manter nosso trabalho interessante, a ponto de bons personagens e bons trabalhos virem te buscar”, concluiu ele ao longo dessa entrevista que coroa esse trabalho marcante de Jayme atualmente.

Jayme, como foi para você largar a batina do Padre Tenório e encarar o rumos do coração? A trajetória do Tenório me fascina… Um personagem que lutou por três causas fundamentais para qualquer sociedade sadia: o amor, a liberdade e a justiça. Chegou na história num dia de enchente, para assumir a paróquia como novo padre da vila e deu de cara com seu futuro grande amor, que o confunde com operário e o faz passar a noite ajudando a carregar tecidos. Se encantou pela moça, questionou sua fé, lutou pelos seus desafios, mas perdeu a luta para o coração. Escondeu a prima comunista. Voltou para o seminário de padres, mas largou a batina por amor. Enfrentou o preconceito da sociedade da época e sofreu na pele as dificuldades de uma sociedade julgadora e conservadora. Foi trabalhar de operário na fábrica, jogou bola no time da usina, sofreu um acidente que lhe deixou surdo, lutou por justiça, liberdade e direitos e acaba preso pela polícia de Getúlio Vargas, por defender os presos políticos da ditadura. Ainda vai viver, nessas últimas semanas de trama, uma reviravolta que vai dar a ele ainda mais peças para seguir em busca de justiça e batalhar para ser feliz.

E ainda revelará ao público o seu passado – até aqui não exposto – com a chegada de sua mãe. Ou seja… Um personagem muito delicioso de fazer. Que fala de amor, mas fala de justiça, de direitos, de abrir a cabeça para os bons diálogos. De ter amor e compaixão pelo próximo em cada julgamento que fazemos. De sermos generosos e afetivos. De saber perdoar e de saber ouvir as diferentes visões sobre a vida e as coisas. Tenho certeza que aprendi muito com o Tenório. Me sinto abençoado e privilegiado de ter contado essa história e essas mensagens. Além da Ilusão é um presente para mim, com toda certeza. Guardarei esse trabalho com o carinho que ele merece. Várias vezes, nessas últimas gravações, me peguei pensando em toda trajetória percorrida. A figura do padre é muito forte, potente. A batina, a capela e o entorno já trazem um poder de construção enorme. A transição do padre para o cidadão comum e trabalhador, foi um choque pra mim. Apesar de já saber, sentir aquela mudança, foi curioso. E esse processo aconteceu com o nosso trem a mil, gravando metade dos dias de padre, metade do dia já sem batina e na fábrica. Nos moldes de uma novela, onde as gravações obedecem cenários e não a cronologia em si. Esse foi um grande desafio. Mas foi gostoso de viver. Desafios são muito bem-vindos. Faz parte do dia a dia do ator.

A dualidade em que vivia o personagem antes dessa virada era algo que chegava a te incomodar? Torcia logo para que ele assumisse esse “amor proibido”? Acho que foi num tempo legal, a virada. Aconteceu bem próximo do capítulo 100, meio da novela e trouxe a oportunidade de vermos esse homem em um outro lugar, dentro da sociedade. Deu tempo para entender o que acontece depois de uma grande decisão. Ok. Ele largou a batina, eles ficaram juntos, mas e aí? Penso que o mais legal é termos a chance de ver os tantos desafios que um homem naquela época enfrentava ao ter a coragem e dentro do seu direito, de largar a batina para poder se casar e servir a Deus de outra maneira. Acho que o interessante é acompanhar essa luta desse casal, depois dessa grande decisão e mudança. E aconteceu no tempo bom para termos essas chances de história.

Acho que a (autora) Alessandra Poggi conduziu muito bem a nossa trama, do começo ao fim. Todos os personagens tiveram seus bons momentos, sempre relevantes para aquela vila e aquela cidade existirem. Todos vivenciaram a época e seus costumes e tiveram grandes discursos para defender. Gosto muito do roteiro da novela e acho um projeto de oportunidades para todos envolvidos. Feito e vivido com o maior amor, por aqueles que lá estavam e que ao certo, deram seu melhor ao projeto, mesmo num momento tão cheio de delicadezas e desafios pelos contextos mil.

Você chegou a fazer algum laboratório do tipo de conviver com padres no dia a dia? Conversei com alguns padres, sim. Ouvi histórias, relatos, busquei me familiarizar com a linguagem e as palavras usadas, que são sempre bem coloquiais e robustas. Mas busquei entender a época que estávamos vivendo, como ponto de partida. Ponto determinante também foi que tivemos uma linda preparação de elenco. Fomos muito bem conduzidos ao nosso universo e, mesmo seguindo algumas regras e fatos, também pudemos nos jogar no nosso mundo. Naquelas relações que construímos e conquistamos nos nossos primeiros encontros. E bem conduzidos pela trama que vai nos guiando numa descoberta aberta e veloz. O laboratório das novelas também acontece com as tramas em curso, sendo exibidas. E precisamos nos inventar e reinventar dezenas de vezes durante o processo. Esse é o grande desafio desse tipo de trabalho. E é uma loucura… Mas uma loucura deliciosa de se viver.

Que desafios esse novo trabalho tem te trazido? O grande desafio desse trabalho talvez não esteja, dessa vez, na prática dele. E sim naquilo que deixo em casa. Hoje, sair para trabalhar continua sendo um prazer e uma delícia, mas também me traz a saudades e o não estar com meu filho. Esse foi um desafio novo pra mim. Valorizar o tempo e principalmente gastar ele com a família tem sido um objetivo meu para esses próximos anos. Quero sempre estar realizando e produzindo, mas também quero ser um pai presente e atencioso para a minha família. Organizar melhor o tempo foi um bom aprendizado do projeto. Outro ponto positivo dessa jornada foi aprender a valorizar muito cada minuto vivido no trabalho. Passamos por momentos em que a distância e a doença nos impediram de fazer arte, de contarmos histórias juntos, de poder exercer nosso amado ofício. Além da Ilusão batalhou desde muito pra existir. E fez valer a luta.

Você é um cara religioso? Em que acredita e de onde vem sua fé? Minha fé vem de muitos lugares. Vem de ensinamentos de várias ideias diferentes de se ver a vida. Vem do amor da minha família. Vem da minha relação com a natureza e o natural. Mas vem, principalmente, da ideia de sermos aquilo que esperamos do próximo. De plantar para colher, de fazer o bem para receber o mesmo, da gentileza e da liberdade. Sou católico de batismo, estudei bastante sobre o espiritismo, tenho muita curiosidade por diferentes maneiras de se ver a vida. Só não aceito e não compactuo com aqueles que praticam o mal, que não respeitam as liberdades de cada um e que querem ser juízes de conduta alheia. No resto, minha fé maior está no amor e na família.

Concorda com o celibato? Acho que numa sociedade tão acelerada como a que vivemos, com tantas mudanças e adaptações acontecendo por segundo, penso que vale a pena um novo debate. Mas não cabe a mim esse valor de concordância ou não. Mais uma vez, vou ser tendencioso a torcer pela vitória do amor e da liberdade em qualquer circunstância. O celibato é uma opção. Uma escolha. Não concordo nem discordo. Aceito quem faz disso uma força. Não julgo quem escolhe não mais fazer disso um propósito. Sou a favor sempre de pensarmos o nosso futuro com os olhos de hoje, não de ontem. Nesse caso, todo e qualquer debate sadio é válido e precioso.

Você parece ser um cara calmo e bem família. É isso mesmo? Esse sou eu mesmo. Nem sempre calmo, mas sempre família. Mas somos muitas coisas. Vivo, graças a Deus, muitas coisas diferentes no meu dia a dia, mas como eu disse antes, meu tempo em família se tornou minha prioridade há bastante tempo. Já passo muito tempo no trabalho para não gastar o que me resta dentro de casa com os meus. Amo sair, mas amo ficar em casa mais ainda. Fazer o que, né?

Quais ensinamentos seu pai, como diretor e como pai, já te passou que ficou para a vida? Cada um de nós oferece o melhor que pode. O melhor que consegue. O melhor que quer. Tento ser como pai, aquilo que acredito que meu filho gostaria de mim. E assim levo. Me coloco por muitas vezes no lugar dele para ditar minhas escolhas, minhas posturas e meu amor. Quando nos colocamos enfim, na posição do pai, ganhamos a oportunidade de fazer aquilo que fizeram com a gente, mas também a chance de não fazer aquilo que nos doeu. De não repetir falhas que nos costuraram choros. De saber olhar para aquilo que vivemos e equilibrar com aquilo que queremos.

Você agora é pai. Entende melhor seu pai hoje em dia? Entender a paternidade por completo é impossível, pois ser pai é infinito. É aprender todos os dias, para sempre. Não devemos entendê-la. Devemos vivê-la.

Aliás, e como foi, e é, encarar seu maior papel: pai? Certamente está aqui meu propósito de vida. Meu filho é tudo que eu sempre sonhei e muito mais. Um menino lindo, iluminado, amoroso, sorridente e muito disposto a aprender. Eu tenho uma esposa linda, que é uma mãe incrível, uma família amorosa. A maior história das nossas vidas certamente está nas nossas páginas vividas em família. Certamente, essa é a novela que quero contar para o resto da minha jornada.

Que desafios procura hoje em dia como ator? Ter ao redor pessoas talentosas, para poder aprender o quanto mais e com quem for. Busco chegar a um lugar aonde eu tenha conquistado o direito a ser lembrado para os desafios. De ter tido uma trajetória que me credencie a brigar por bons projetos. Isso é uma conquista e um desafio que temos a cada trabalho. Manter nosso trabalho interessante, a ponto de bons personagens e bons trabalhos virem te buscar. Acredito muito que jogamos energias mil ao universo, a todo instante. E confio nas que emano, o destino dos meus caminhos. Acredito e torço para que ao meu lado, eu veja sempre a chance de aprender. Qualquer coisa. Com qualquer um.

Em ano político acredita que é positivo ou não se pronunciar sobre o assunto sendo ator? Acredito que o compromisso maior de cada um e de todos nós é votar bem. É votar com estudo, com atenção e com sabedoria. Essa é a maior regra desse momento. A liberdade para onde vai o voto de cada um, é um direito também a ser respeitado, mesmo sendo positivo ou não aos olhos de quem quer que seja. É um direito. Mas torço muito para que, em primeiro lugar, tenhamos uma troca geral no comando do país. Foram anos sombrios ao meu ver, onde amor, liberdade e respeito, foram deixados de lado. Onde a sociedade não se uniu. Ela se feriu e se dividiu não em dois, três ou dez lados. Não importa. O que importa é que precisamos voltar a falar uma língua mais justa com a sociedade sadia que queremos. Tempos difíceis, certamente. O Brasil merece muito mais. Espero que melhore e possamos ter um país mais justo e com menos desigualdade na sociedade.

O que te coloca um sorriso no rosto e o que tira esse sorriso? Gentileza me arranca sorrisos. O governo atual me arranca eles.

O que curte ler, ver e ouvir ultimamente? Acho que com filho pequeno e nos últimos meses, o que deu pra ler, escutar e ver foi o Mundo Bita, A Galinha Pintadinha e os livrinhos do banho, viu? Foram meses de muita dedicação ao Antonio. De descobrir tanto na leitura infantil ou adulta, algumas coisas sobre a educação, sobre como podemos educar nossos filhos, construindo pontes para que eles criem, descubram, explorem todos os universos de suas breves vidas. Quando me pedem indicação de livros recentes, provavelmente responderei Peter Pan ou algo parecido. Tenho acompanhado bastante a nossa novela, Além da Ilusão. E temos visto Pantanal, com muito gosto e felicidade. Um projeto fantástico!

Quem é Jayme Matarazzo hoje em dia? Um cara contente e orgulhoso dos caminhos que traçou até aqui e bem disposto a enfrentar os novos desafios, que surgem a cada segundo. A vida é essa – uma descoberta diária. Um aprendizado por milésimo e um dia por vez. Esse sou eu. Vivendo o hoje, feliz com o ontem e ansioso pelo amanhã.

Planos para depois de Além da Ilusão… Viajar um pouco com o Antônio e em família. Focar nos meus projetos paralelos e continuar sendo feliz.

Fotos @viniciusmochizuki

Beauty @viniciusmochizuki

Stylist @castanheiras

Assist stylist @luisaflorim

Assessoria @jukreisassessoria