CAPA: MOUHAMED HARFOUCH, NOSSO “HOMEM DE LATA”

Não podemos parar! Foi uma das frases citadas por nosso entrevistado aqui ao longo dessa entrevista. Determinado e resistente, o ator Mouhamed Harfouch fez dessa pandemia um modo mais criativo de se provocar e criar o novo. Com todas as suas limitações, foi lá juntamente com um grupo de amigos, e estreou a peça “Homem de Lata”. Detalhe, uma peça totalmente online! Desafio também foi posar para essas fotos. Se você percebeu a resolução abaixo do padrão, é isso mesmo, ela foram feitas via face time. “Brincadeiras à parte, meu lema hoje é: Não há problemas e sim desafios!”, conclui ele. E não parou por aí, o cara criou música, show novo e de quebra voltou ao ar com a reprise de “Malhação”. Pode aplaudir de pé galera!

Você está “em cartaz” com uma peça online, a “Homem de Lata”. De onde surgiu a ideia para o projeto? E fale um pouco sobre ele. Já tinha esse projeto para o teatro convencional há 5 anos. Pouco antes da pandemia, João Fonseca me ligou para fazermos algo juntos, pois tínhamos essa vontade. Apresentei o texto a ele, numa versão antiga, onde tudo se passava numa noite de insônia do Marcão. Começamos a nos reunir na casa dele e sentimos a necessidade de reescrever a peça. Buscávamos uma situação limite onde fosse crível porque o personagem estar isolado, mas não achávamos…até que veio a pandemia, e o impensável aconteceu. Resolvemos mudar a peça que se passava numa noite, para uma quarentena. Reescrevi junto com Moises o texto todo, que praticamente nasceu do zero, mantivemos a personagem, mas mudamos todo o resto. Era uma vontade antiga falar sobre esse homem contemporâneo, perdido entre o machismo estrutural herdado e a necessidade de se reinventar.

No projeto escrito por você, você atua, faz o som, a luz, os efeitos…Como tem sido essa maratona? Desafiadora e igualmente instigante. O nome da peça poderia ser Homem Polvo! (risos) Brincadeiras à parte, meu lema hoje é: Não há problemas e sim desafios! Encarei esta produção e realização como uma grande gincana onde formamos um time guerreiro e todos abraçados numa proposta: Superação e Resistência! Não podemos parar. Nossa investigação passa pela necessidade de sobrevivência do teatro e da cultura durante este longo e tenebroso inverno…Vai passar, mas até lá não ficaremos parados. Esta reinvenção está me dando uma consciência artística maravilhosa, uma autonomia e me prova mais uma vez que testar nossos limites pode ser surpreendente.

E como tem sido troca com o público pelo online? Maravilhosa! Nosso feedback tem sido surpreendente, porque as pessoas chegam achando que assistirão a um vídeo, ou algo parecido e se deparam com uma proposta bem diferente. Nossa premissa é manter o jogo teatral soberano e encaro a tela do celular como meu palco, meu tablado. Exploramos tudo o que podemos, mas sempre com o olhar na história e nos fazer teatral. Esse é o caminho da nossa investigação a qual denominamos; #Selfieteatro.

Quais as vantagens e as desvantagens de criar durante a pandemia, trancado em casa, com a família? Como foi seu processo? Doloroso. Não é fácil ser trancado abruptamente a uma realidade paralela onde todos os projetos e costumes se mostram desnecessários. A sobrevivência se impõe. Tem um frase que aprendi na vida e que faz todo sentido: A única certeza da vida, é a incerteza. Então, de certa forma esta pandemia nos revela que o nosso desejo de controlar a vida de nada vale, temos que cultivar o hábito de nos adaptar a vida e não de querer controlá-la. João Fonseca fala que sou louco, porque encarei esta maratona de escrever, produzir, atuar e operar, junto com a vida de pai de duas crianças cheias de disposição e que necessitam de muita atenção e ainda ter que dar conta da casa. Uma maratona insana. Escrevia às 6h da manhã porque era a única hora de silêncio da casa, ensaiava entre 21h30 à 00:00 porque era o horário que os filhos dormiam. Meu sono tem sido de umas cinco horas por dia, mas estou muito feliz! Não reclamo de nada.

Vários artistas estão usando a internet para fazer projetos, mostrar seu trabalho, estar ativos na pandemia. Acha que esses formatos online vão seguir sendo usados mesmo depois do fim do isolamento social? E como esses formatos influenciam no resultado dos projetos? A beleza do ser humano é a capacidade de se reinventar, de se adaptar e de criar soluções. Se o formato ira vingar ou não, isso deixo para o futuro dizer. Não quero controlar nada, no momento só penso em criar e em me sentir ativo, produzindo e respirando arte.

Fora a peça, como tem sido sua quarentena? De muito trabalho! (risos)

Antes da pandemia, você ia fazer turnê pelo país com a peça “A história de nós 2” e ia estrear no Rio o espetáculo “Quando eu for mãe, quero amar desse jeito”. O que pode falar desses trabalhos?  Eles devem acontecer após o fim da pandemia? Sim! Já estamos vendo as possibilidades de retomada em segurança e projetando. Dois trabalhos lindos que tenho muito orgulho em fazer parte e onde trabalho com amigos que na verdade, são minha família!

Além de atuar, você canta e ficou entre os finalistas do Popstar em 2018 e desde então, você já fez shows, lançou músicas e clipe. Você teria embarcado nessa carreira musical se não tivesse participado do programa? Como essa sua vertente ajuda na de ator e vice-versa? Sempre amei música. É minha válvula de escape. Sempre usei a composição para colocar minhas ideias e sentimentos para fora. A superação do Popstar só me fez ter a coragem de expor estas canções e de fazer shows. Lancei “Lente Aberta” no início da pandemia e já tinha show de lançamento marcado…mas tudo irá voltar no seu tempo. Por enquanto, o show é do Marcão, personagem da minha peça on linear que é músico e faz jingles. (risos)

E quais os próximos passos na música? Criei uma música chamada “Quando não se tem amor”, feita durante a pandemia. Gostaria de gravá-la e quase usamos na peça…ela ainda vai nascer!

Por conta da pandemia, a Globo suspendeu as gravações das novelas, e agora podemos te rever na reprise de “Malhação”. Como foi fazer parte desse projeto que já foi tão premiado? Foi maravilhoso poder dar vida a um professor e falar sobre a importância da educação na formação do cidadão. Bóris foi um personagem inesquecível para mim, o qual guardo com imenso carinho. Fazer um produto que celebra a educação, as diferenças, a tolerância, o afeto, a amizade e a diversidade em tempos de tanta falta de empatia, é gratificante demais! Muito feliz com esta reprise.

Você chegou a fazer participação em alguns capítulos de Amor de mãe. Como foi fazer esse trabalho? E seu personagem deve voltar à trama quando as gravações retomarem? Foi uma surpresa…não esperava mesmo. Amei me jogar com a Debora Lamm e o Milhem Cortaz numa novela de uma autora que admiro tanto como a Manuela Dias e com direção do Zé, com quem já desejava trabalhar tem tempo. Se volta? Não faço a mínima ideia. Mas daqui, continuarei torcendo e vibrando por Amor de Mãe.

Em Homem de lata, você dá vida a um homem que questiona seu comportamento, seu machismo, suas relações…Você também tem avaliado seus padrões? Sim! Muito! Marcão nasceu da necessidade de dialogar com esse novo homem que precisa se encontrar e, principalmente, “ouvir”. Aprender que não temos que ser homens de aço, ou de ferro…há beleza em ser de lata. Precisamos dialogar com este século e parar de cultivar o machismo estrutural que está entranhado de tal forma que as vezes o reproduzimos consciente e inconscientemente…precisamos falar sobre isso. E não me excluo.

Você tem dois filhos pequenos. Como é ser pai em 2020? Uma montanha Russa! Nos reinventamos também como pai. A tentativa é de criar um ambiente saudável e construtivo onde as crianças possam não sofrer tanto…elas estão sofrendo pela saudade dos avós, saudade dos amigos de colégio, dos passeios, do teatro, do parquinho e ainda possuem a necessidade de se adaptarem as aulas online…pauleira. Todos estamos juntos na mesma gincana, um cuidando do outro e tentando não pirar.

Você se preocupa em educá-los sobre situações cada vez mais debatidas como racismo, machismo, feminismo? Evidente. Mas para isso antes de querer que eles aprendam algo, é necessário que esta mudança parta de nós que educamos e criamos. A melhor maneira de educar não é dizer o que fazer é mostrar através do nosso exemplo, é preciso que estas questões estejam presentes e cultivadas em atitudes positivas nossas, para que eles tenham essa vitrine. Por isso educar é uma atividade complexa. A gente não delega só a escola. Não podemos estar alheios ou indiferentes a estas manifestações criminosas de preconceito e ódio que vemos tão presentes na sociedade. As novas gerações nos ensinam muito. A malhação foi uma prova disso. O mundo precisa dialogar e evoluir e isso só acontecerá com a liberdade, afeto, respeito às diferenças e democracia.

Sempre vemos flagras seus se exercitando pelas ruas do Rio. Como tem cuidado do corpo e da mente nesse período em casa? Comecei bem, inventando uma academia dentro de casa…mas tem um mês já que o lance desandou. Não tenho tempo e quer saber? Tudo bem! Mas vou voltar! (risos)

Você deu vida ao neto do personagem do Flavio Migliaccio na novela “Órfãos da terra”. Como foi trabalhar com ele e o que ele te ensinou? Flavio foi daquelas pessoas que enobrecem o nosso ofício. Vê-lo no alto dos seus 84 anos, com a vontade, garra e desejo de criar e produzir como foi impressionante. Dava banho nos jovens! Trocávamos muito. Roubei para mim, como se meu avô fosse…conversávamos sobre teatro, sobre a vida, sobre política, sobre nossas cenas. Para mim, uma perda irreparável. Nunca poderia imaginar. Foi um baque muito forte, chorei muito. Era um gênio! Só posso agradecer a “Orfão da Terra” por este encontro e por ter estado tão perto dele no último ano…a gente sabe quando encontra um mestre.

E como você analisa a arte do Brasil agora e o que podemos esperar dela pós pandemia? O Brasil precisa voltar a ser Brasil. Sempre fomos uma nação acolhedora, empática e tolerante. Este ódio alavancado pelas fakes contaminou e provocou um abismo. Nunca vi tanta falta de respeito, tanta falta de afeto e tanta disposição para a intolerância. Nossa democracia é uma conquista e não pode ser atacada. Somos um país plural, em todos os sentidos. Fomos construídos através das nossas diferenças… O mundo precisará se reerguer pós pandemia e nós também, porém além disso precisamos recuperar nossa capacidade de diálogo. Impensável ter que defender ainda nos dias de hoje valores como liberdade, democracia e luta contra censura… isso só mostra o quanto andamos para trás.

E você pretende tirar férias? Porque a gente só te vê trabalhando. Trabalho me mantem vivo! Mas quero muito andar por aí, abraçar as pessoas que amo, apertar mãos, viajar, passear, ou tomar um cafezinho numa esquina qualquer. Estar em coletividade! Esse é meu desejo de férias quando essa pandemia passar! Que a gente possa tão logo encontra uma vacina e que todos possam resgatar suas vidas.