
Da primeira batida do axé music aos 10 anos de idade, até a estreia nos trios elétricos com a Banda Eva e posteriormente os palcos de teatro e TV, a trajetória de Emanuelle Araújo sempre tratou de entrelaçar suas paixões pela música e a dramaturgia. “… foi no teatro, com uns 15/16 anos, que eu comecei a desenvolver a minha carreira musical”, comentou Emanuelle ao longo desta entrevista exclusiva para a MENSCH. Algo que hoje em dia é muito bem representado com o musical “Clara Nunes — A tal guerreira”, onde ela une suas paixões para reverenciar uma de suas referências musicais. O espetáculo é uma forma de unir a atuação e o canto, duas carreiras que ela tem consolidadas ao longo de mais de 35 anos de carreira. E ela não para por aí, agora em dezembro tem estreia nos cinemas com “Traição Entre Amigas”. Seja onde for Emanuelle é um deleite de se ver e ouvir.
Emanuelle você comentou em entrevistas que o Axé Music entrou na sua vida antes mesmo de você entrar pro Axé Music. O ritmo já te contagiava desde muito cedo. Como foi isso? Na verdade, o Axé Music me acompanha desde que me entendo por gente. A primeira vez que eu vi um trio elétrico eu tinha 10 anos de idade, em uma cidade do interior da minha família, onde tinha uma micareta. A gente que nasce na Bahia, que mora na Bahia, com um tambor em cada esquina, acaba tendo uma relação com a música quase como uma segunda natureza. Aos 14 anos, na companhia de teatro que eu já participava desde os 10, a gente começou a desenvolver um projeto musical onde os ritmos afro-baianos, o samba-reggae e os ritmos regionais da nossa terra faziam parte, e foi ali que eu comecei a cantar canções da música baiana, em trios elétricos. Depois, aos 20 anos, isso se profissionalizou na minha vida, com a minha entrada numa banda de grande visibilidade no Brasil, que foi a Banda Eva. Porém, como disse acima, a música baiana, o samba reggae, o ijexá, os ritmos afro-baianos, já faziam parte da minha vida há muito tempo. Isso tudo aconteceu muito antes desse termo “Axé Music”, que é um termo criado nos anos 90.

Como artista a banda Eva te elevou a outro patamar o que abriu outras portas. Como você resumiria esse período como vocalista da banda que te projetou nacionalmente? Eu já fazia parte de muitas bandas e de muitos projetos musicais e artísticos antes disto. Ingressei na banda Eva aos 21 anos. Eu já estava numa carreira musical desde os 15 anos com outras bandas profissionais também, mas, de fato, a Banda Eva, que estava no auge do seu momento ali com a Ivete antes de mim, me apresentou para o Brasil. Foi um momento onde eu tive esse despertar da minha carreira nacional. Meu trabalho já era conhecido na Bahia, porém, na Banda Eva, as pessoas me conheceram no país inteiro. Foi uma experiência incrível, de muitos palcos, muitos públicos, de aprender muito sobre minha profissão, como bandleader de uma banda mainstream da época. Eu era muito nova, tinha apenas 21 anos, foi uma experiência muito potente que eu guardo até hoje. Fiquei lá durante quatro anos e foi onde eu aprendi muita coisa e também entendi que o meu maior prazer e o meu objetivo maior é ter uma carreira plural e conseguir conciliar minha carreira de atriz e cantora, algo que faço até hoje.
Da música veio a dramaturgia e daí em diante você cada vez mais foi se consolidando como atriz. Isso era um desejo antigo ou foi acontecendo? Sofreu alguma resistência da parte artista? Na verdade eu comecei como atriz, comecei no teatro ainda criança. Fiz muitos espetáculos de teatro, estudei bastante e depois fui fazendo musicais. Inclusive, foi no teatro, com uns 15/16 anos, que eu comecei a desenvolver a minha carreira musical. Eu comecei a cantar em bandas baianas e aí desenvolvi a minha carreira profissional na música. Porém, nunca separei as duas carreiras, elas sempre andaram lado a lado. Sempre fiz trabalhos de música, trabalhos no teatro, depois de um tempo na televisão, antes mesmo de vir morar no Rio de Janeiro e alavancar minha carreira na televisão e no cinema nacional. Antes, eu tinha uma carreira bem forte na Bahia, na publicidade, onde as peças publicitárias todas envolviam meus trabalhos como atriz. Então, a atriz sempre esteve aqui junto com a cantora.

Como cantora você não se limitou só ao Axé e como atriz você explorou diversos gêneros. Essa inquietude é algo que faz parte de quem você é? Ou foi sendo levada a ser assim? Na verdade, um dos motivos também de eu sair da Banda Eva e seguir uma carreira solo era exatamente isso, buscar a minha pluralidade musical. Hoje eu tenho dois álbuns dentro da música popular brasileira, estou às vésperas de lançar meu terceiro álbum, que é um álbum que reverencia a minha trajetória dentro do samba-reggae, do ijexá e dos ritmos afro-baianos. Eu gosto mesmo de percorrer vários ritmos. Apesar disso, atualmente, na minha carreira, não só nos meus projetos solos, mas também nos meus projetos coletivos, como a banda Moinho (que eu tenho com a Lan Lanh e o Toni Costa) e a Orquestra Imperial (com o Kassin, Berna, Nina Becker, Thalma de Freitas e Moreno Veloso), junto aos meus álbuns, são pautados na música popular brasileira, no samba e algumas misturas. Eu sou uma grande apaixonada pela música brasileira: é uma música que reúne muitos ritmos e abrange compositores maravilhosos. E mesmo assim eu sou muito grata a toda a minha história da música baiana. Inclusive, esse próximo disco é para isso, para reverenciar esses ritmos, a minha história. E claro que ali vai estar misturada toda essa trajetória dos últimos anos dentro da MPB.
Seu atual espetáculo te levou a mergulhar na vida e obra de Clara Nunes. Como começou essa história? O convite partiu dos produtores do espetáculo, Marco Griese e Daniela Griese, e do diretor e criador da peça, Jorge Farjalla. O projeto começou com a Vanessa da Mata em 2024, que acabou não seguindo no espetáculo pela carreira musical. Em 2025, eles me convidaram para prosseguir com o espetáculo e foi um deleite, uma experiência incrível, uma oportunidade de me aproximar do meu amor, da minha paixão pela Clara e celebrá-la.

Para você qual a importância de Clara Nunes para a música e cultura brasileira? E onde você se vê nela? A Clara sempre foi uma inspiração, inclusive nisso, de uma mulher que defendeu a música popular brasileira como ninguém, uma mulher que foi desbravadora, revolucionária. Ela foi a primeira mulher a vender discos em uma quantidade que na época a mulher não vendia: bateu recorde de mais de 100 mil discos numa época em que só os homens alcançavam esses números. Ela defendeu o samba, o canto do povo, a cultura e a afro-brasilidade. Então, é uma artista, uma mulher, que eu sempre admirei muito e sempre me acompanhou. Eu estou muito feliz de fazer parte desse musical onde se conta de uma forma muito bonita e muito poética a história da Clara como mulher e como artista, que reverencia essa artista imensa, que partiu tão cedo desse plano, mas que deixa um legado tão importante para todas as outras cantoras até hoje. Ela é uma artista que ao meu ver influencia de forma consciente e inconsciente todas as cantoras desse país na sua forma de vestir, na sua forma de performar, no seu canto, na sua escolha de repertório. Uma mulher que reverenciou o cancioneiro brasileiro, que apresentou compositores importantíssimos para a nossa história em seus discos emblemáticos. Nós fizemos uma temporada belíssima em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e em São Paulo, com teatros lotados, e eu fiquei muito feliz com a resposta ao meu trabalho. Mas, para, além disso, fiquei muito feliz em ver Clara sendo reverenciada, sendo rememorada, celebrada, ela e sua obra com esse musical.
E falando em musical, antes você atuou em Chicago, sucesso por anos na Broadway. Como foi encarar um musical desse peso? A realização total como cantora e atriz? Realmente, a experiência de unir atriz e cantora em musicais é muito interessante para mim e me rememora muito o início da minha carreira. Como te disse, comecei a minha carreira de atriz vivendo muitos musicais infantis, quando ainda era criança. E “Chicago” foi o primeiro grande musical de grande porte, o meu primeiro musical da Broadway. Foi uma experiência incrível, de muito aprendizado. Somos a segunda maior bilheteria do Teatro Santander, um teatro emblemático de São Paulo e do teatro musical brasileiro. Foram sete meses vivendo essa história tão potente, tão marcante do nosso teatro musical mundial, essa personagem emblemática que é a Velma Kelly. Foi uma convivência intensa entre ensaios e apresentações, plateias lotadas todos os dias, um elenco divino, todas aquelas coreografias e o universo do Bob Fosse. Foi uma experiência que eu guardo profundamente na minha trajetória, que me ensinou muito, me deu muitas alegrias e me trouxe essa vivência do teatro musical. Que é muito difícil, importante para o artista, são muitas apresentações, apresentações duplas nos fins de semana, então “Chicago” de fato me trouxe mais uma bagagem, um repertório importante para minha carreira.

Já seu trabalho mais recente como atriz foi em Olhar Indiscreto na Netflix. Como você observa o audiovisual atual com as possibilidades de TV aberta e fechada? Bom, eu já tenho algumas histórias na dramaturgia, além das novelas, tenho experiências no streaming. A primeira delas, inclusive, foi com “Samantha”, que foi a terceira série brasileira da Netflix no Brasil, a primeira série de comédia brasileira e um projeto que eu sou muito orgulhosa de ter protagonizado. Foi uma personagem inesquecível pra mim, e logo em seguida surgiu essa oportunidade de “Olhar Indiscreto”, também uma série da Netflix, já num outro gênero, um thriller psicológico. Eu acho muito importante essa entrada do streaming no Brasil. A gente têm profissionais muito interessantes no nosso audiovisual, desde roteiristas, diretores, produtores e atores. Então, acredito que quanto mais espaços, plataformas e possibilidades dentro da TV aberta ou não, e dentro desse novo, que já nem é tão novo, mas cada vez mais amplo, o universo do streaming, melhor. Torço para que se abram mais salas de roteiro. A gente está num momento muito interessante do nosso cinema nacional, com o Oscar do Walter Salles e agora também com o Kleber e o Wagner caminhando para a indicação ao Oscar. É um momento muito bonito do nosso cinema nacional. Porém, é cada vez mais importante que as políticas públicas se abram para a nossa cultura como um todo: para o nosso cinema, para o nosso teatro, de onde muitos artistas despontam, para que a gente tenha, sim, um fomentador da arte nesse nosso país, que é tão rico de talentos.
E no meio disso tudo onde recarrega as energias? A melhor forma de recarregar minhas energias é estando com as pessoas que eu amo. Na minha casa, com minha família, meus amigos. Eu sou canceriana, então tenho um universo particular que prezo muito. Sou muito do trabalho, amo trabalhar, trabalho desde muito cedo. Porém, tenho o meu universo particular muito bem guardado e preciso dele para me recarregar. Preciso da minha casa, da natureza, do mar, desses momentos íntimos pessoais, para, inclusive, me reconectar com o que me move, com a minha energia prioritária e voltar ao trabalho, que sempre é muito corrido, que sempre é muito diverso. E eu amo isso, eu amo trabalhar. Porém, esse meu universo íntimo, ele é muito importante para que eu possa estar sempre potente na minha arte.
Por fim… O que te conquista e inspira a continuar? O que mais me estimula a continuar a viver nesse mundo tão bonito e também tão dicotômico, tão difícil, também com tantas injustiças sociais, é o amor. Sou movida pelo amor que tenho pelo meu ofício, sou movida pelo amor que tenho pela minha arte, sou movida pelo amor que tenho pelas pessoas e acho que cada vez mais a gente precisa estar conectado com o nosso amor íntimo, pessoal, aos nossos desejos, aos nossos sonhos e também o amor ao coletivo, ao que está aí do lado de fora, ao que não faz só parte da nossa vida individual. E eu creio muito que estamos todos ligados e que a gente precisa ter uma visão sempre mais coletiva do mundo e unir o nosso amor a tantos desejos próprios ao amor coletivo, ao que pode fazer com que a gente tenha pelo menos o mínimo de ideal, e que não seja utopia enxergar mais justiça neste mundo.

Fotos Thom Fox (@thomfoxx)
Styling Katharina Taylor (@katharinavtaylor)
Beleza Larissa Antonelli (@lariantonelli)
Tratamento de imagem Thom Fox (@thomfoxx)
Assistente de produção Borgeth (@borgethh) e Paulo Villalba (@paaulovillalba)


